DO GRITO DO ITAQUERÃO À CHEGADA DOS “PANZER”
João Eichbaum
Quando a senhora Dilma ouviu de um
povo bufão o brado retumbante, começou a “ter Copa”. À paralisia e à
estupefação que, a ela e ao Blatter, negaram qualquer outra expressão facial no
momento, seguiu o silêncio, inaugurando a festa por conta própria. E logo,
fazendo bater na tumba os ossos de Francisco Manuel da Silva, veio o hino
berrado, chorado e desafinado.
O grito do Itaquerão impediu que o
Blatter e a Dilma desempenhassem o papel que lhes tinha sido destinado no
“script”. Mas, nada como bons artistas para salvar a moral de uma pátria
conspurcada por palavrões. O centroavante Fred, depois de rápido estágio nos
estúdios da Globo, estava lá para atrair os aplausos que o distinto público
havia negado para Dilma e Blatter. Sem nunca haver contracenado com o
coadjuvante, a apresentação saiu melhor do que qualquer ensaio. Foi Fred
escorregar dos braços do zagueiro croata e lá estava o árbitro japonês,
apontando lépido e faceiro para a marca do pênalti
E aí, minha gente, teve Copa, sim.
Ninguém na FIFA é doido de rasgar dinheiro para permitir que o país sede do
evento futebolístico internacional seja derrotado na primeira partida. Seria
como continuar uma festa de casamento, da qual tenha fugido a noiva, não com o noivo, mas com o
vizinho.
Então, para desagrado dos que não
queriam Copa, teve Copa, sim. E os ufanistas festejaram de peito estufado,
reptando a turma do “não vai ter Copa”. E graças às traves, o Brasil passou
pelo Chile, o patriotismo virou um rio de lágrimas, que desaguou no mar do “oba, oba”. Foi a Fluoxetina
nacional. O humor subiu, a Dilma subiu nas pesquisas. A Copa se tornou sucesso
de bilheteria e público. Os estrangeiros, que deixaram a carne de segunda em
casa, se lambuzaram com o filé nacional: não tinham vindo para a procissão em
Aparecida, mas para a Copa. Em suma, choveu elogio para a Copa e sobrou menoscabo
“pros não vai ter Copa”.
O espetáculo foi divido entre três
parceiros: a FIFA ficou com as exigências da montagem do palco para a
apresentação da peça, a seu modo, à sua feição. O cenário, a produção, a
direção, a realização, os atores e, principalmente, a bilheteria eram dela. O
Brasil ficou com a truculência: atropelou a Constituição no direito de ir e
vir, e rasgou o Código do Consumidor, permitindo reserva de mercado e abuso de
preços. O contribuinte ficou com a conta.
“Teve Copa”, sim, e o espetáculo foi envolvente,
de uma embriaguez patriótica. Mais lágrimas arrancaram os desfalques da seleção
do que a morte de inocentes, debaixo do viaduto inacabado e superfaturado pelo
PAC da Copa. Alheios à tragédia, que só suscitou pesar oficial do governo, os
que gostam de circo se aliaram aos que precisam de pão: choraram juntos, vendo
o Neymar na maca estilo funerário da FIFA.
Aí vieram os “Panzer” alemães, acabaram
com a festa e transformaram o país num aluvião de lágrimas. Talvez a pátria se
reerga quando, no horizonte perdido, sumirem as roubalheiras via licitações de
fachada, que às vezes se tornam assassinas.
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