OS BANDIDOS AGRADECEM
João Eichbaum
Suponhamos o seguinte: um marginal
com 18 anos de idade, de tocaia na saída do colégio, rapta uma menina. Leva-a
consigo, sem fazer qualquer exigência de resgate, e a mantém em seu poder por
longo tempo. Tenta seduzi-la, mas ela resiste, não se entrega. Vencido pela
obstinação da garota, o raptor resolve se descartar dela. Então a vende para
uma rede de prostituição. Da menina, levada para outro Estado da Federação, a
família nunca mais terá notícia.
A pena do raptor não chegará a oito
anos, e isso lhe dá o direito ao regime semi-aberto. De acordo com a lei, o
condenado ao regime semi-aberto cumprirá pena em Colônia Penal Agrícola ou
Industrial. Ou melhor, cumpriria. Desde a semana passada, por decisão do STF
afinada pelo diapasão do STJ e de outros juízos e tribunais, o preso condenado
ao regime semi-aberto terá o direito humano de levar uma vida muito melhor do
que a de suas vítimas. Desde que consiga emprego, nem que seja de faz-de-conta,
ele só dormirá na prisão.
À desgraça da menina, que se perdeu
para sempre, poderá o destino acrescentar mais um “script” infame: seus pais e
familiares nunca mais a verão, mas o raptor dela, que deu causa à sua desgraça,
poderá cruzar todos os dias sorridente e impunemente por eles.
Essa torpeza foi incrustada na
axiologia jurídica sob a inspiração do ministro Barroso. Com seu ar evangélico,
ele e mais oito acompanhantes estenderam a graça descolada para José Dirceu a
todos os malfeitores do país, condenados a menos de 8 anos de prisão.
Neste país, não se julga. O ato de
julgar implica juízo de valor, a partir de duas premissas, a da norma, que é a
premissa maior, e a do fato, que é a premissa menor. Entenda-se por norma a
lei, o regulamento, a portaria, em suma, qualquer ato jurídico coercivo. Se o
ato coercivo for ignorado, não existe premissa e, não existindo premissa,
julgamento não há.
Assim, a jurisprudência que ignora a
ordem legal do cumprimento de um sexto da pena para a progressão do regime - e
o trabalho externo implica progressão de regime - não merece o nome de
julgamento: não passa de uma concessão gratuita de benefício, contaminada pela
política ou sublimada pela caridade. Em nenhuma dessas hipóteses se vislumbra a
obra de juiz autêntico, porque o verdadeiro juiz apenas julga, não faz
caridade, nem política.
Agora é oficial: à omissão do
Executivo se acrescenta a do Judiciário. Barroso juntou-se aos juízes que
soltam bandidos, por falta de vagas e de condições "padrão Fifa" nos
presídios. “Para não sobrecarregar o sistema penitenciário”, ele mandou soltar
os malfeitores. Quer dizer, é maior o direito desses do que o dever dos
governantes. A sociedade que se lixe.
Nessa hora soam como rojões de
advertência as palavras do advogado e escritor gaúcho Ricardo Giuliani: o
Judiciário só existe para si próprio e não para a sociedade.
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