CRÔNICA DE TODOS OS NATAIS
João Eichbaum
Nem precisaria ceia de Natal e essa
beberagem toda, que deixa a gente com gosto de batom misturado com ovo choco na
boca, no dia seguinte. Nessa merda que a Dilma deixou o real, com 50 dólares no
bolso da calça pendurada ao lado da cama e mais a companhia da Emma Watson, eu
teria um Natal extremamente feliz. E não me cansaria de agradecer ao imperador
Otávio Augusto por aquele decreto de recenseamento, que obrigou, entre outros,
o carpinteiro José a juntar uns trapinhos e botar em cima de um burro sua
mulher Maria, grávida de um certo Espírito Santo, rumo a Belém, na Judéia
Naquele tempo não tinha internet.
Nem telefone, nem correio, acho eu. E aí, como é que o José ia fazer reserva de
hotel? Logo em Belém, um lugarejo de seiscentos habitantes!
Resultado: Belém tava pior que
Gramado em época de Natal, com os hotéis lotados. Claro, sobrou pro José e pra
Maria, que essa já tinha dilatações. Tiveram que se abrigar numa gruta de beira
de estrada, dividindo espaço com vacuns e muares que ali também pernoitavam.
Acho que mal deu tempo para se
ajeitarem, rebentou a bolsa, quando a Maria viu tava toda encharcada. E ali
mesmo, sem parteira, sem obstetra, sem pediatra para ver se o saco do nenê tinha
duas bolas, veio para o mundo mais um judeuzinho. Sem berço, sem aquela caminha
enfeitada, que as mamães preparam para os seus futuros bebês, o pobre diabinho
teve que ser colocado numa manjedoura, um troço duro pra caralho.
E a primeira visita que recebeu o nenê
foi a de três reis magos, sem noção, que em vez de uns pacotinhos de fraldas
descartáveis, trouxeram ouro, incenso e mirra pro gurizinho. O que é que ele ia
fazer com essa merda toda?
Bom. O que eu quero dizer é que aí
começou toda a história e por isso todo mundo canta, muitos choram, todos se
abraçam, cantando: “pobrezinho, nasceu em Belém”.
Se não tivesse acontecido isso, ou se a
história fosse diferente, como por exemplo, se já houvesse IBGE naquele tempo,
cheio de funcionários para fazer recenseamento com perguntas idiotas,
invadindo a vida privada, o guri não teria nascido numa gruta, nem em Belém.
José teria respondido tudo num formulário.
E então não teria essa correria toda,
com engarrafamentos, shoppings lotados, o povaréu carregado de pacotes,
acidentes e mortes no trânsito, estradas para as praias um inferno e, de noite,
uma bela ceia, o pessoal enchendo a cara, tomando espumante pensando que é
champanhe, se abraçando, mas sem largar a taça, desejando feliz Natal,
chorando, etc. etc.
Ah, sim, e não teria ocorrido o maior de
todos os milagres, com o qual nem Jesus Cristo sonhou: a transformação da
manjedoura num majestoso palácio, chamado Vaticano, onde um senhor idoso, que
talvez nunca tenha visto uma manjedoura, cercado de pajens, vestindo paramentos
de rei, ornados com fios de ouro, celebra a pobreza daquele judeuzinho,
tomando vinho italiano.
Ah, e eu não teria sonhos humildes e
despojados, como esse de ser feliz, no Natal ou fora dele, me bastando para
isso a companhia da Emma Watson (no ano passado eu queria a Angelina Jolie, mas
agora ela tá sem os peitos e eu não tenho onde botar as mãos) e 50 dólares no
bolso da calça, já pendurada ao lado da cama.
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