quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

CRÔNICA DE TODOS OS NATAIS

João Eichbaum

Nem precisaria ceia de Natal e essa beberagem toda, que deixa a gente com gosto de batom misturado com ovo choco na boca, no dia seguinte. Nessa merda que a Dilma deixou o real, com 50 dólares no bolso da calça pendurada ao lado da cama e mais a companhia da Emma Watson, eu teria um Natal extremamente feliz. E não me cansaria de agradecer ao imperador Otávio Augusto por aquele decreto de recenseamento, que obrigou, entre outros, o carpinteiro José a juntar uns trapinhos e botar em cima de um burro sua mulher Maria, grávida de um certo Espírito Santo, rumo a Belém, na Judéia

 Naquele tempo não tinha internet. Nem telefone, nem correio, acho eu. E aí, como é que o José ia fazer reserva de hotel? Logo em Belém, um lugarejo de seiscentos habitantes!

Resultado: Belém tava pior que Gramado em época de Natal, com os hotéis lotados. Claro, sobrou pro José e pra Maria, que essa já tinha dilatações. Tiveram que se abrigar numa gruta de beira de estrada, dividindo espaço com vacuns e muares que ali também pernoitavam.

Acho que mal deu tempo para se ajeitarem, rebentou a bolsa, quando a Maria viu tava toda encharcada. E ali mesmo, sem parteira, sem obstetra, sem pediatra para ver se o saco do nenê tinha duas bolas, veio para o mundo mais um judeuzinho. Sem berço, sem aquela caminha enfeitada, que as mamães preparam para os seus futuros bebês, o pobre diabinho teve que ser colocado numa manjedoura, um troço duro pra caralho.

E a primeira visita que recebeu o nenê foi a de três reis magos, sem noção, que em vez de uns pacotinhos de fraldas descartáveis, trouxeram ouro, incenso e mirra pro gurizinho. O que é que ele ia fazer com essa merda toda?

Bom. O que eu quero dizer é que aí começou toda a história e por isso todo mundo canta, muitos choram, todos se abraçam, cantando: “pobrezinho, nasceu em Belém”.

Se não tivesse acontecido isso, ou se a história fosse diferente, como por exemplo, se já houvesse IBGE naquele tempo, cheio de funcionários para fazer recenseamento com perguntas idiotas, invadindo a vida privada, o guri não teria nascido numa gruta, nem em Belém. José teria respondido tudo num formulário.

E então não teria essa correria toda, com engarrafamentos, shoppings lotados, o povaréu carregado de pacotes, acidentes e mortes no trânsito, estradas para as praias um inferno e, de noite, uma bela ceia, o pessoal enchendo a cara, tomando espumante pensando que é champanhe, se abraçando, mas sem largar a taça, desejando feliz Natal, chorando, etc. etc.

Ah, sim, e não teria ocorrido o maior de todos os milagres, com o qual nem Jesus Cristo sonhou: a transformação da manjedoura num majestoso palácio, chamado Vaticano, onde um senhor idoso, que talvez nunca tenha visto uma manjedoura, cercado de pajens, vestindo paramentos de rei, ornados com fios de ouro, celebra a pobreza daquele judeuzinho, tomando vinho italiano.

Ah, e eu não teria sonhos humildes e despojados, como esse de ser feliz, no Natal ou fora dele, me bastando para isso a companhia da Emma Watson (no ano passado eu queria a Angelina Jolie, mas agora ela tá sem os peitos e eu não tenho onde botar as mãos) e 50 dólares no bolso da calça, já pendurada ao lado da cama.



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