terça-feira, 29 de março de 2016

CRÔNICA DE UM FIASCO JURÍDICO (I)
João Eichbaum

Para gáudio de todos os analfabetos funcionais dessa República, começa assim a decisão do ministro Teori Zavaski, na reclamação que lhe foi apresentada pelo “doutor” Cardozo da Advocacia Geral da União: “trata-se de reclamação, com pedido liminar, ajuizado pela Presidente da República”. Reclamação “ajuizado”? Então tá.
“Ajuizado” pela Presidente da República? “Presidente da República” é apenas a denominação do cargo, a que se atribui a função de chefiar o Poder Executivo da União. E, sendo simples denominação, “Presidente da República” não é pessoa física, nem jurídica.
Antes de mais nada, é bom esclarecer que não são investigados cargos, mas pessoas. Embora a senhora Dilma não seja investigada pelo juízo de primeiro grau, o “cargo” de Presidente da República foi quem ajuizou a reclamação, recebida com agressão a regras elementares de concordância. 
O artigo 988 do CPC limita o uso do instituto da reclamação “à parte interessada e ao Ministério Público”. E só pode ser “parte”, nesse sentido, a pessoa física ou jurídica. Ora, o cargo de Presidente da República, como qualquer cargo público, só pode ser confiado a uma pessoa física. Sem pessoa física para exercê-lo, o cargo é um solene vazio. 
Por exemplo, se o Presidente da República é ferido em acidente de trânsito, ele não poderá ajuizar ação indenizatória contra o causador do acidente, intitulando-se simplesmente “Presidente da República”. Deve, sim, se qualificar como pessoa física: nome, estado civil, CPF, residência, etc. Na reclamação não é diferente, pela pura e simples razão de que “Presidente da República” não é pessoa, é apenas a denominação de um cargo – repita-se.
A “parte”, na acepção processual, tem sentido permanente. Mesmo que morra, seus herdeiros poderão prosseguir na lide, ou pedir a extinção do processo, provando a morte da “parte”. Mas, o “Presidente da República”? Se renunciar, morrer, ou for de qualquer modo substituído? Atestado de óbito nenhum poderá comprovar a morte do “Presidente da República”, mas apenas a morte de “fulano de tal”. E sem a prova da morte do “Presidente da República”, nunca se extinguirá o processo.
É por todas essas razões que o processo não admite como “partes” o “Juiz da 3ª Vara”, o “Presidente do Corintians”, o “Presidente da Academia Brasileira de Letras”, o “Auxiliar Administrativo da Secretaria da Fazenda”, o “Chefe do Almoxarifado da Mesa de Rendas”. Experimente apresentar a Teori Zavaski uma petição com tais “partes” e veja no que vai dar.

Nenhum comentário: