CRÔNICA DE UM FIASCO JURÍDICO (I)
João
Eichbaum
Para
gáudio de todos os analfabetos funcionais dessa República, começa assim a
decisão do ministro Teori Zavaski, na reclamação que lhe foi apresentada pelo
“doutor” Cardozo da Advocacia Geral da União: “trata-se de reclamação, com
pedido liminar, ajuizado pela Presidente da República”. Reclamação “ajuizado”? Então tá.
“Ajuizado”
pela Presidente da República? “Presidente da República” é apenas a denominação
do cargo, a que se atribui a função de chefiar o Poder Executivo da União. E,
sendo simples denominação, “Presidente da República” não é pessoa física, nem
jurídica.
Antes de
mais nada, é bom esclarecer que não são investigados cargos, mas pessoas.
Embora a senhora Dilma não seja investigada pelo juízo de primeiro grau, o
“cargo” de Presidente da República foi quem ajuizou a reclamação, recebida com
agressão a regras elementares de concordância.
O artigo
988 do CPC limita o uso do instituto da reclamação “à parte interessada e ao
Ministério Público”. E só pode ser “parte”, nesse sentido, a pessoa física ou
jurídica. Ora, o cargo de Presidente da República, como qualquer cargo público,
só pode ser confiado a uma pessoa física. Sem pessoa física para exercê-lo, o
cargo é um solene vazio.
Por
exemplo, se o Presidente da República é ferido em acidente de trânsito, ele não
poderá ajuizar ação indenizatória contra o causador do acidente, intitulando-se
simplesmente “Presidente da República”. Deve, sim, se qualificar como pessoa
física: nome, estado civil, CPF, residência, etc. Na reclamação não é
diferente, pela pura e simples razão de que “Presidente da República” não é
pessoa, é apenas a denominação de um cargo – repita-se.
A “parte”,
na acepção processual, tem sentido permanente. Mesmo que morra, seus herdeiros
poderão prosseguir na lide, ou pedir a extinção do processo, provando a morte
da “parte”. Mas, o “Presidente da República”? Se renunciar, morrer, ou for de
qualquer modo substituído? Atestado de óbito nenhum poderá comprovar a morte do
“Presidente da República”, mas apenas a morte de “fulano de tal”. E sem a prova
da morte do “Presidente da República”, nunca se extinguirá o processo.
É por
todas essas razões que o processo não admite como “partes” o “Juiz da 3ª Vara”,
o “Presidente do Corintians”, o “Presidente da Academia Brasileira de Letras”,
o “Auxiliar Administrativo da Secretaria da Fazenda”, o “Chefe do Almoxarifado
da Mesa de Rendas”. Experimente apresentar a Teori Zavaski uma petição com tais
“partes” e veja no que vai dar.
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