quinta-feira, 24 de março de 2016

QUANDO O SABER NÃO É NOTÓRIO

João Eichbaum

O medo de acordar com o japonês da Federal na porta de casa tem provocado muita dor de barriga por aí. Numa circunstância dessas, não é de estranhar que a Presidente da República mande papel para seu amigo metalúrgico, por meio do Bessias, e depois ligue, pedindo ao interlocutor que só use o papel em caso de necessidade.

O exemplo serve para mostrar que há telefonemas e telefonemas. Há telefonemas privados e telefonemas de caráter oficial. Telefonar, avisando o interlocutor que mandou papel pelo Bessias, não é a mesma coisa que telefonar para o Comandante do Exército, comunicando que foi declarada guerra contra o país de Buzunga. Na condição de Presidente, o detentor do cargo só pode exercer as funções definidas no art. 84 da Constituição Federal.

A Presidente da República não se confunde com a Presidência da República. Aquela é gente, pessoa física, um ser humano como qualquer outro, que passa pela Presidência. Essa é uma instituição permanente, que encarna o Poder Executivo, mas não tem personalidade jurídica.

Advogado da União, como o nome está dizendo, é o advogado que representa os interesses da União, ou seja, do Estado, lato sensu. A pessoa investida no exercício do Poder Executivo não se confunde com o Estado.

A Presidente da República pode ingressar na Justiça, se achar que alguém meteu o bedelho indevidamente no telefonema dela para o metalúrgico. Mas terá que fazê-lo através de advogado por ela constituído.  O Advogado da União não tem poderes para representar em juízo a pessoa que exerce a Presidência da República. A Presidente da República – repita -se – não é a União. E não há processo sem pessoa, física ou jurídica.

Mas, tem mais. Uma petição que qualifique o autor apenas como “Presidente da República” esbarra nas exigências do art. 319, inc. II, do CPC. Nesse caso, deve o magistrado determinar sua complementação, atendendo ao que dispõe o art. 321 do mesmo Código.

Por último: se a petição requer liminarmente “a suspensão dos efeitos” da interceptação telefônica e “ao final” sua anulação e remessa dos autos para o STF, comete erro primário o magistrado que determinar, além da suspensão dos efeitos, a “remessa dos autos à Corte”.

A “remessa dos autos à Corte” será efeito da anulação. É matéria de mérito, e não de “liminar”, pela elementar razão de que o efeito não se pode antecipar à causa. E, cabendo ao colegiado a última palavra, só dele dependerá a “remessa dos autos para a Corte”. Isso, se não abortar o pedido, desatrelado do “devido processo legal”. Qualquer advogado de porta de cadeia, tão lustroso e digno quanto os togados do STF, sabe disso.





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