quarta-feira, 4 de junho de 2008

COISAS DA VIDA

TEMPOS MODERNOS

João Eichbaum

Dona Carmelinda tinha casado na igreja, de véu e grinalda, toda de branco, aliança no cestinho, padre e padrinhos, tudo nos conformes. Com o devido sangue no lençol, nove meses depois teve o primeiro filho, que era uma menina.
Mas a vida lhe foi má, o marido a deixou por outra, e ela ficou só com a filha, costurando para fora, dando duro, para dar à menina uma vida menos dura. Mas, só, e ainda jovem, não resistiu às cantadas dos galanteadores que se seguiam, um depois do outro. Um só queria dar uminha. O outro queria dividi-la com a matriz. Teve até um rapazinho, bem mais moço, que quis se chegar, para auferir os benefícios da costura, sem necessitar de ir para o batente. Por fim, ela sentou pé. Só queria um homem sério, de boas intenções, com cara de família. Pois, então, com esse escolhido, constituiu família, teve mais dois filhos, ambos muito machos. E o homem sério, de boas intenções, também a deixou por outra.
Mas nada disso abalou os princípios de dona Carmelinda, que não abdicou da doutrina cristã, nem da velha moral. De modo que, mesmo depois que os filhos cresceram, queria recato, queria que eles respeitassem as namoradas e a meia-irmã, e mantivessem os princípios cristãos assentados sobre o sexto mandamento: que jamais levassem namoradas para os quartos deles. “Assim como eu nunca botei pra dentro de casa homem que não fosse definitivo” – acrescentava.
De modo que, naquela noite, ouvindo vários passos no corredor que conduzia ao quarto do filho mais novo, ela simplesmente perdeu o sono, a dona Carmelinda. Pensou, pensou e chegou à conclusão de que o filho não tinha entrado sozinho para o quarto. Isso não só a intrigou, como a deixou com medo.
Não pregou olho o resto da noite. E de manhã, quando ia para a cozinha preparar o café, deu com aquela gracinha loira, vitaminada, que saía sorrateiramente do banheiro, só de calcinha e soutien.
Dona Carmelinda nada disse e ainda fez que não viu. E quando o filho, algum depois apareceu na porta do quarto, bocejando, foi cobrado, sem rebuços:
- É tua namorada aquela moça!
E a resposta dele, cheia de razões, deixou-a de boca aberta, sem ter o que contraditar:
- Que que é isso mãe? Eu lhe obedeço, nunca vou trazer minha namorada pra dentro do meu quarto. Esta é a namorada do Wiliam, um amigo meu!

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