crônicas apolíticas
QUEM DESDENHA QUER COMPRAR
Paulo Wainberg
O Cinismo surgiu como Escola Filosófica grega, fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates, que pregava o total desapego aos bens materiais e externos.
Seu maior expoente foi Diógenes que difundiu a corrente filosófica pregando que o homem feliz é totalmente desapegado das coisas materiais, do reconhecimento alheio, do sofrimento e da dor.
Para os Cínicos a virtude residia na conquista moral do homem naquilo que lhe é intrínseco e não nas conquistas materiais ou no reconhecimento alheio. Alexandre Magno certa vez parou diante do barril onde morava Diógenes e ofereceu-lhe a realização de um desejo. A resposta: - desejo apenas que te afastes do meu sol.
Ou seja, Diógenes era feliz com o que tinha e tinha apenas o que a Natureza lhe oferecia.
O cinismo que, em grego, significava “próprio dos cães”, passou à posteridade, graças à evolução etimológica da palavra e às diversas correntes de pensamento futuras, como sinônimo de pessoa sem pudor, inescrupulosa, egoísta e indiferente ao sofrimento alheio.
É deste conceito de cinismo que vou tratar.
A hipocrisia consiste em fingir acreditar no que não se acredita, demonstrar sentimentos que não se possui, acusar alguém de praticar atos que também pratica, pregar a imoralidade sendo, ele mesmo um imoral.
A hipocrisia vem a ser a negação do próprio cinismo.
O sistema político americano é cínico mas não hipócrita, embora a hipocrisia ética, nos Estados Unidos, seja uma prática constante. Lá os denominados lobistas são oficiais, profissionais da busca de favores em benefício deste ou daquele em troca de votos ou de contribuições financeiras. Lá os políticos editam normas e leis em resposta aos interesses dos representados pelos lobistas desde que o conceito de “bem comum” não seja profundamente violado, sem esconder, interna ou externamente, as vantagens pessoais auferidas.
São cínicos mas não são hipócritas.
No Brasil é diferente. Aqui o cinismo é negado com veemência, cada político é um arauto da ética, um defensor intransigente do “bem comum”, o lobista é suspeito e até criminoso e, embora seja prática comum como se está observando, as vantagens pessoais são negadas e as acusações contestadas com vigor digno de um cavaleiro andante, de um Príncipe Valente, de um abençoado participante da Távola Redonda na Corte do Rei Artur.
Prevalece a forma sobre o conteúdo como, por exemplo, no caso dos Cartões de Crédito Corporativos: Ocupou-se o parlamento federal, na CPI correspondente, do vazamento do “dossiê”, deixando de lado os gastos espúrios do “governo anterior” porque isto significaria ter que se ocupar dos gastos espúrios do “atual governo”.
Roberto Jefferson pôs a público uma parte do que se passa nas internas políticas, as barganhas, trocas de influência, exercício de poder econômico, pagamento em espécie (dólares e reais) por votos, mas não tinha gravação a sustentar-lhe a palavra. Resultado: pouquíssimos parlamentares punidos e a grande maioria absolvida.
E ninguém condenado judicialmente.
Por aqui se discute prioritariamente a “conduta ética” do vice-governador por ter gravado uma conversa com o Chefe da Casa Civil, visando minimizar o que foi dito porque o que foi dito atinge toda classe política.
“Aquilo que todo o mundo sabe” foi exposto numa gravação. Revelou-se o modo como os políticos conversam entre si, revelou-se que todos sabem das fraudes, das irregularidades, revelou-se que há um rabo preso coletivo e que ninguém é inocente.
A hipocrisia consiste em cobrar-se moralidade aqui e defender a imoralidade acolá, em negar-se publicamente que a política no Brasil é feita como se fosse um mercado persa onde a pechincha predomina sobre o valor do negócio e onde a glória da honestidade consiste em obter o melhor preço, em conseguir a maior vantagem desde que nada se revele.
Negar o cinismo é a mais perniciosa forma de hipocrisia, esta que vem sustentando a política brasileira desde que D. Pedro I instituiu o Poder Moderador.
“Aquilo que todo o mundo sabe”, isto é, o conchavo de quintal, a troca, a compra e venda, a melhoria do padrão pessoal, o uso do Poder em benefício próprio e a revelação estupenda de que basta uma ordem “de cima” para que tal ou qual presidente ou diretor de órgão público conceda este ou aquele favor a quem interessar no momento, agora é realmente o que todo o mundo sabe, é como se uma criança inocente, ainda não corrompida pela maturidade e pelos interesses pessoais, gritasse na frente das câmeras de televisão: O Rei está nu!
E todos aqueles que “viam” a roupa invisível do rei fossem atropelados pela verdade indiscutível.
O problema é que, assistindo depoimentos e declarações, lendo notas oficiais e rompantes de indignação, fico com a sensação de que nada vai mudar, os panos quentes serão adequadamente colocados sobre as feridas expostas e, como já está acontecendo os execráveis de hoje retornarão à cena pública, amparados em um poder concedido que nem a mais abjeta das condutas conseguiu arranhar.
Não há democracia que resista a tantos impactos da corrupção, da mentira e do faz-de-conta institucional.
Portanto alertemo-nos, fiquemos atentos e lutemos por uma reforma radical do Estado Brasileiro e de nossa Constituição, antes que algum sorrateiro aproveite a brecha e tome conta, como outros fizeram no século vinte, hipocritamente cínico a defender as “legítimas instituições democráticas ameaçadas”.
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