quarta-feira, 18 de junho de 2008

COISAS DA VIDA

SÓ QUEM MORA EM MANSÃO RESPEITA O RIO GRANDF

João Eichbaum

“Não dá para morar, a governadora, com a altivez de governadora, respeitando o Rio Grande do Sul, em um apartamento de um quarto. Comprei a casa digna.”
Atenção, professores de português, (mal) pagos pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, essas palavras não foram proferidas por moradores de rua, nem por marginais analfabetos, nem por crianças que tropeçam no vocabulário. São palavras da senhora Ieda Crusius, transcritas no jornal Zero Hora, edição do dia 15 de junho de 2008.
Permitamo-nos alguns comentários.
O verbo dar é um verbo transitivo. Exige, portanto, objeto direto. Quando se dá, se dá alguma coisa. Pode-se dar alguma coisa em algum lugar: num apartamento de um quarto, numa casa modesta, numa mansão, ou – por que não? - num motel.
O verbo dar nunca foi sinônimo de poder, ser possível.
Mas, o que a senhora Ieda Crusius quis dizer foi que não pode a governadora, com a altivez de governadora, morar num apartamento de um quarto. Ela precisa de muitos quartos, certamente, porque a altivez da dita governadora, não cabe em espaços pequenos.
Eu não sabia – e confesso minha ignorância – que a altivez faz parte do cargo ou das malas e bagagens de quem governa seja lá o que for. E não sabia também que a mesma altivez é um substantivo concreto que exige espaço, dimensões, estrutura, metros e metros quadrados.
Também não sabia que o Rio Grande do Sul, para ser respeitado, exige que as pessoas morem numa casa “digna”.
Atenção, portanto, moradores de apartamentos de um só quarto! Nem falo dos moradores de rua, dos que habitam debaixo das pontes, dos que pagam prestações para o BNH, dos que moram nas vilas, com ruas esburacadas, com esgoto a céu aberto, sem água, sem luz, etc. Parem de desrespeitar o Rio Grande do Sul!
Muita gente faz esgares de dúvida, quando se diz que o ser humano, como os bonobos e os chimpanzés, é um primata. E sendo um primata, ele não é, por essência, um escrínio de dignidade. A dignidade ele a adquire, ou a constrói. A dignidade não nasce com ele, não faz parte de sua natureza, não é uma condição ontológica de sua vida em grupo. Então, se ele não a tem, se não a construiu, se não a agregou ao seu caráter, só resta comprá-la. Mesmo que não explique donde saiu o dinheiro para tal negócio.
E mais: a dignidade não está nos cargos, nas funções. A dignidade está na pessoa que a construiu. Se a pessoa não construiu a dignidade, ela não irá encontrá-la no cargo que irá exercer. Um varredor de rua, se desempenhar sua função com honestidade, com a dignidade que construiu em si mesmo, levará essa dignidade para a função que exerce. O mesmo não se poderá dizer de um político desonesto, enganador, falacioso: o cargo não o dignificará porque ele não tem dignidade em si mesmo.
Dona Ieda, a dignidade não está nos palácios, nem nas mansões, senão nas pessoas. Não existem casas “dignas”, mas qualquer barraco se torna digno com a pletora de dignidade da pessoa que o habita.

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