terça-feira, 3 de junho de 2008

CRÔNICA DE PAULO WAINBERG

SERMÃO DO FUNDO DO POÇO
Paulo Wainberg






Felicidade.
Desejo de felicidade é o ideal impossível de ser alcançado. Talvez eu tenha sido plenamente feliz, antes de nascer, flutuando na barriga de minha mãe. Pena que não lembro e, se não lembro, não posso usufruir a lembrança.
Talvez nem tenha sido uma felicidade assim tão plena.
Por alguma razão cruel, divina ou seja por influências malignas dos genes, estar plenamente feliz nunca acontece e ruidosamente sabotamos os momentos de felicidade, raros e passageiros, colocando com eles e acima deles os furacões, as incompreensões, os dramas inúteis, os nervosismos, os descontroles, as ansiedades, problemas reais e imaginários, como se um implacável alerta esteja sempre a avisar: Você está feliz neste momento? Ah é? Não esqueça que daqui a pouco alguma coisa ruim pode acontecer, vai acontecer.
Quantos problemas você tem que resolver, antes de sair de férias? Quantos problemas você tem que resolver quando está de férias? Quantos problemas você tem que resolver quando volta de férias!
O momento sublime, nos braços da amada e do amado, interrompido por um telefone gritando que seu cheque voltou, que seu paciente morreu, que seu filho rodou e... lá se foi o sublime, adieu felicidade.
Quanta incompreensão você enfrenta num dia de felicidade. Quantas coisas erradas lhe dizem que você fez, quando acorda de manhã sentindo-se feliz?
Você celebra o melhor momento de sua vida sabendo quanto sofreu para chegar nele, temendo quanto vai sofrer por causa dele.
Felicidade, felicidade.
Que nefando poder tem a linguagem que impossibilita o entendimento, que gera o conflito, que ensurdece, entumece o raciocínio e libera raivas e ódios, provoca patéticas situações, distorce expressões faciais, transforma olhares em dardos envenenados mesmo quando, pela frente tudo de bom está para acontecer?
Não é uma ingratidão quando acusam de insensível justo nos momentos em que sua sensibilidade está à flor da pele e o que você mais deseja é compartilhar? Quando uma palavra mal ouvida, um olhar mal interpretado ou um gesto distraído transforma esse desejo sensível em símbolo de agressão, de desinteresse ou indelicadeza?
Não é terrível quando acham que você é capaz das piores coisas, dos piores sentimentos mesmo quando, durante toda a vida você sempre quis ser a melhor das pessoas e tentou cultivar os melhores sentimentos?
Felicidade...felicidade?
A vida é uma sucessão de falhas que os acertos eventuais não acobertam. O que nos impede de relevar as falhas e aproveitar os acertos? Que triste concepção é esta que nos torna imperdoáveis, quando falhamos? E que nos faz comuns, quando acertamos?
Por que o bom não pode prevalecer sobre o ruim? O que, ou quem nos atribui o papel permanente de críticos, pedagogos constantes do comportamento alheio? Quem, ou o que determina que o erro de lá seja a vergonha daqui e que somos o permanente objeto da observação alheia?
Quem estabeleceu que, nas coisas comuns do dia a dia, simples e suburbanas, idéias diferentes não podem co-existir?
Por que ceder é uma fraqueza?
Tantas perguntas e não tenho nenhuma resposta, só me resta constatar e, como vitima e algoz simultâneo, querer baixar a cabeça e deixá-la para baixo até o fim.
Felicidade? Felicidade!
É ela o que queremos tanto? Paz de espírito é felicidade? Dever cumprido é felicidade? Amar e ser amado é felicidade? Conviver em bom nível é felicidade? Compreensão mútua é felicidade? Respeito é felicidade? Riqueza é felicidade?
Felicidade...
Eu seria feliz com estas coisas? Não iria querer outras que me faltariam e apagassem a felicidade anterior?
Se eu apostasse na mega-sena quanto iria querer ganhar? Cinqüenta milhões? Com todo esse dinheiro, teria que mudar minha vida, abandonar coisas que gosto – e são muitas – deixar de lado amigos que amo – e são muitos – reconsiderar minhas prioridades, que são muitas?
Não. Eu ganharia uns cinco milhões para resolver alguns problemas financeiros e para comprar algumas coisinhas que não tenho, por exemplo um piano de caudas, internet sem fio e computadores para toda casa, talvez um ipod, alguns quadros do Carlos Scliar e a coleção integral da antiga Coleção Catavento de Ficção Científica que, em algum lugar de Portugal, certamente ainda se acha. Ah, e uma linda personal trainer que iria lá em casa me treinar até extinguir a barriga que me assola.
Nada de mais, nada de grandioso.
Felicidade, felicidade.
A vida é um firmamento triste, recheado de choques e explosões, onde pode fulgurar a luz boa de um cometa radioso e vez que outra brilhar a intensidade feliz de um sol azul, iluminando o universo de alegria e dando a sensação, fugaz , de que pode ser assim para sempre.

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