quarta-feira, 25 de junho de 2008

COLUNA DO MÁRIOSIMON

MISS BISTURI
Crônica de Mário Simon

Ela não gosta. Acha que Miss Bisturi não lhe cabe, nem por brincadeira. Isso de já ter feito 18 plásticas para adaptar seu perfil ao perfil de uma Miss Brasil não significa que precisou do bisturi em todas. Essa aqui, olha, nem dá para ver de tão pequena. Essa outra aqui na bochecha era uma pintinha de nadica. Tenho outras aqui quase na nádega, não dá para mostrar, né!
E ela sabe direitinho onde foram feitas as incisões. Conta-as, mostrando com o dedo onde estão espalhadas pelo corpo. Dá a impressão que está benzendo com o sinal da cruz toda aquela massa de carne esculpida, tantos foram os locais onde permitiu que se fizessem melhoras. Como se fosse uma escultura inacabada e, ela, o artista de si mesma, que vai dizendo alonga aqui, retira ali, raspe acolá... Olha, essa barriga da perna esquerda está pouco afunilada. Precisa retirar uns centímetros da canela. Ai, meu pescoço, pareço uma girafa! Corte um pouco da parte de cima. Recauchute meu bumbum, mas não mexa na cintura. Essa minha coluna está pouco curvada no meio deixando meu bumbum chato. Arrebite o bumbum com enchimento de silicone, ou tire duas ou três vértebras para criar a curvatura necessária para arrebitar o bumbum.
Mas quando passou pelo Miss Brasil e anteviu o Miss Universo, as coisas ficaram ainda mais sensíveis. A visão de si mesma, agora tridimensional, exigiu correções mais específicas, detalhes imperceptíveis para a maioria dos míseros mortais que só conhecem as paroquianas. Então descobriu que um braço era mais longo que o outro. Pouco, menos de três milímetros, mas o suficiente para desequilibrar o perfil. O mesmo problema descobriu na distância entre o nariz e a íris, centro dos olhos. Pouco também, um milímetro, um defeito que ela supunha poder deixá-la levemente estrábica. E havia a questão do tornozelo esquerdo, um defeito congênito que o fazia mais largo que o direito. Muito pouco, dois milímetros e meio, mas que, vistos de trás, dava a impressão de que ela pesava mais de um lado. Nenhuma estátua grega tinha um tornozelo maior do que o outro. Ah, o omoplata esquerdo que era mais longo e deixava a cabeça fora do centro. Isso era um drama terrível! Cabeça fora do centro só um pouquinho, meio milímetro, mas que a deixava louca só em pensar que algum jurado das arábias percebesse e fosse desclassificada por menos de um milímetro no omoplata! Terrível! O Brasil perder um título desses só por que tinha a cabeça fora de centro?
A tudo corrigiu esse fenômeno de beleza greco-moderna. Não saiu exatamente uma Vênus de Milo, mas quase . Na verdade, saiu à feição de uma mulher turbinada, melhor do que imaginava, conclusão a que chegou pela reação do vasto público que se foi formando em torno da escultura. Polêmica! Ela, particularmente, só tinha problema com o espelho, que continuava a lhe mostrar o avesso de sua cara e o inverso de sua atitude: se melhorava o corte da silhueta, não mudava o jeito de ser e sentir o mundo. Havia ali no espelho duas pessoas, agora. Ela mesma e o projeto pronto de si mesma. Mas isso não a abalou. Em algum lugar ela encontraria um cirurgião plástico que uniria outra vez ela com ela mesma.

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