quinta-feira, 25 de setembro de 2008

COLUNA DO PAULO WAINBERG

crônicas aparentes

SER E PARECER
Paulo Wainberg



Somos modernos, logo temos que parecer. Quasímodo era e não parecia, logo foi punido. Torquemada parecia mas não era, logo foi temido.
Entre ser e parecer há o abismo a ser transposto, das relações sociais, das convenções aparentes, do mostrar-se, exibir-se e tornar-se, por menos que seja, referência e padrão.
Quem é não precisa disso, basta-se em si mesmo, sabendo-se ser sem ostentar, sendo mais do que tendo e quando calha de ser e ter, transforma o ter em doar e o ser em abençoar.
Quem parece, perdoem-me os aparentes, não sente, mostra-se. Quem parece não conhece, exibe-se.
Quem parece tenta ser, mostrar-se como quem é, gostando do que não gosta, falando do que não sabe, unindo palavras vãs, pérolas literárias, vagalumes aos luar, mariposas do entardecer, flores a perfumar, metáforas simbióticas, refinadas na aparências, tênues como a palha a desmascarar supimpas pretensões, a esnobar peles refeitas, riqueza das frases feitas ocultando a descompaixão, a falta da amizade, o tudo pelo social.
Quem é erra, falha e se engana.
Quem parece acerta sempre porque nunca diz o que é.
Quem erra sofre, se angustia, se atormenta e cresce.
Quem parece ri e sempre pega leve. Salvo quando querem tirar algo seu. Aí se insurge, verte lágrimas aparentes porque já codificou o modo de, ali adiante, parecer o que sempre pareceu, acima de tudo parecer... e que ninguém desconfie que não é.
Quem é tem o que é.
Quem parece precisa ter ou deixa de parecer.
O que é melhor? Ser ou parecer?
Honestamente não sei. Há quem parece ser e há quem é sem parecer.
Ser e parecer ou parecer sem ser?
Rico e com saúde ou pobre e doente? Mil peixes no oceano ou um na panela?
Uma coisa é ser na vida, outra é ser no cotidiano.
Ser na vida é um resumo post-mortem, uma página no obituário, dez festejos dos cem anos de nascimento. Ou de morte. E uma placa de bronze. Ser no cotidiano é mil práticas relativas, lâmpadas a serem trocadas, contas a serem pagar, vazamentos a vedar, vasos sanitários a desentupir, dinheiro para ganhar e ter hora certa para chegar.
Parecer na vida é um olvido post-mortem. Talvez uma risadinha futura das bobagens proferidas. Parecer no cotidiano é proferir ufas admirados, vivas estabanados, pegar leve no sufoco e decorar marcas de vinhos.
Ser ou ter, eis a questão que nem o Bardo ousou questionar.
Quem é usufrui-se na solidão. Quem parece desfruta da multidão.
Ser ou parecer, eis a questão.
Conheço tantos que parecem e lutam por ser, lutam tanto que acabam sendo mas, para mal deles, não abdicam de parecer e por isso parece que não são.
Pois quem é não alardeia e concede caridosamente, a quem parece, a ilusão de ser.
Conheço tantos que são mas sucumbem à vaidade de parecer e tanto parecem que parecem que não são.
Quem é não parece, mas acaba aparecendo, cedo ou tarde.
Qual a importância desse assunto é coisa que também me pergunto.
Qual a diferença entre quem é e quem parece é pergunta que também me faço.
Mas suspeito que há uma semelhança entre ser e parecer. Suspeita assim, de leve, sem convicção e totalmente aberta à discussão.
Você não acha que aquele que é e aquele que parece que é estão à serviço da vaidade?
Eu acho, aí reside minha suspeita. E se eu estiver certo, pragmaticamente falando e considerando que a vaidade está posta em benefício alheio, quero dizer, o vaidoso (e quem não é?) quer a aprovação e o reconhecimento alheio, ser e parecer acabam servindo ao propósito egocêntrico, simultaneamente individual e coletivo, de ser admirado pelo outrem.
Quem é o outrem? Qualquer um que não seja você (ou eu).
No Encontro Final, quando quem é e quem parece atingem a linha de chegada, restará um nome de rua, um nome de praça, um relógio de despedida, um livro biográfico, um verbete no dicionário, meia página na enciclopédia, uma vaga lembrança de um neto, uma saudade passageira, uma lágrima compassiva, um adeus individual e uma foto na lápide.

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