OS JUÍZES DO HOJE
João Eichbaum
Vou declinar o nome dele: foi o Paulo Wainberg. Outro dia, ou melhor, outra noite, entre um chope e outro, no Barranco, ele me olhou firme, como é do seu feitio, e sentenciou: João, o modelo de juiz que tu buscas já não existe mais.
Fui ruminando a frase do Paulo e, quando cheguei em casa, dei a mão à palmatória. Realmente, o paradigma de magistrado foi para o espaço. Aqueles senhores sisudos, de poucas palavras e olhar penetrante, dominador, cuja presença era suficiente para impor respeito numa audiência, já não existem.
O que vemos hoje são meninas e meninos deslumbrados com o poder e com os altos vencimentos que ganham, que mal sabem redigir uma frase em vernáculo correto e contam com assessores, secretários e estagiários, que sabem muito menos, tanto de vernáculo como de direito, para lhes redigir despachos e sentenças.
E isso se deve, antes de mais nada, às inúmeras faculdades de direito que foram instaladas pelo país afora. Em qualquer recanto, em qualquer lugarejo existe uma faculdade de direito. Há cidades do interior, como Santa Maria, por exemplo, no Rio Grande do Sul, que possuem cinco faculdades de direito.
Os juízes e advogados de antigamente eram obrigados a disputar as poucas vagas que havia nas universidades públicas. O corpo docente dessas era composto por juristas de escol, pessoas de cultura invejável, como Pontes de Miranda, por exemplo. Com base numa cultura humanística sem igual, é evidente que os atraídos para o magistério eram pessoas sábias, de conhecimento respeitável. Depois começaram a surgir as universidades particulares, onde ingressavam professores que não prestavam concurso – o concurso que era exigido para a cátedra das universidades públicas. E como tais universidades eram, geralmente, ligadas às instituições católicas, a “conditio sine qua non” para a composição do corpo docente era, em primeiro lugar, a religiosidade do candidato a professor, e não a sua cultura, o peso de seus conhecimentos.
Por aí começou a “popularização” do direito, que acabou com a elite cultural. Atualmente, qualquer um pode ser professor, desde que seja bacharel em direito. Nem mesmo o concurso, exigido pela universidade pública, representa, hoje, a garantia de que o candidato a professor tenha uma bagagem cultural respeitável. Em primeiro lugar, porque a cultura está nivelada por baixo. Em segundo lugar porque, alunos formados em universidades particulares, tendo debaixo do braço um diploma de “mestre”, já são considerados respeitáveis e podem concorrer às vagas do magistério público.
E, em conseqüência, qualquer um pode ser juiz, por duas razões: por sorte, fazendo cruzinhas, e porque os examinadores dos concursos não avaliam os candidatos, mas se limitam a contar o número das cruzinhas certas.
Portanto, dou a mão à palmatória: juízes como antigamente, nunca mais. Para encerrar, eu poderia me gabar: para ser juiz, tive que começar, traduzindo a Eneida, de Virgílio. Mas, nem digo isso, porque muitos juízes e desembargadores, alguns ministros do STJ e do STF, poderiam pensar que, para ser juiz, eu tive que comer a mulher do Virgílio.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
"eu tive que comer a mulher do Virgílio."
Grande!
Pois é, a sociedade moderna gera cada vez mais "especialistas" que não sabem nada de outras áreas além da sua, mas a coisa fica pior quando a gente percebe que nem mesmo esses "especialistas" sabem o que estão fazendo.
E isso vale para todas as profissões, de médicos à tradutores.
Eu não sou especialista em nada, fato de que me ressinto um pouco, mas minha curiosidade natural me faz querer saber de (quase) tudo, o que me faz ler com prazer mesmo textos sobre juristas. Ainda mais quando tão bem escritos.
Abraço.
Postar um comentário