sexta-feira, 17 de junho de 2011

O VOTO DO FUX (VI)

João Eichbaum

E sigamos com o voto do senhor Fux, que faz um esforço descomunal para exibir erudição.
“Serve a teoria dos deveres de proteção como meio de vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição.”
Comecemos, colocando a oração na ordem direta. Não há razão alguma para que ela seja iniciada pelo verbo. Então: a teoria dos deveres de proteção serve como meio de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais assegurados pela constituição.
Mesmo posta na ordem direta, a frase ficou feia, pedregosa, engasgante, cheirando a mofo. Por que não dizer meio de vinculação com (ao invés de aos) os direitos fundamentais?
O que o senhor Fux quer dizer com “particulares”?
Particular é antônimo de “público”. E na quase totalidade de suas várias significações é adjetivo: reservado, privativo, íntimo, especial, peculiar, próprio, específico, minucioso, pormenorizado, extraordinário, singular, raro, incomum.
Empregado no plural é substantivo e significa: pormenores, segredos, particularidades.
É claro que, sem substantivo, como já se salientou na crônica anterior, o adjetivo não tem vida, não tem significação por si mesmo, não exerce função alguma na oração. E “os particulares” do Fux não estão jungidos a qualquer substantivo. Portanto, como adjetivos, são carta fora do baralho.
Mesmo assim, tentemos substituir “os particulares” do Fux por qualquer um de seus significados, na função de adjetivos: a teoria dos deveres de proteção serve como meio de vinculação (dos reservados, dos privativos, dos íntimos, dos especiais, dos peculiares, dos próprios, dos específicos, dos minuciosos, dos pormenorizados, dos extraordinários, dos singulares, dos raros, dos incomuns) aos direitos fundamentais assegurados pela constituição.
Faz sentido?
Faz tanto sentido quanto uma freira se entregando a uma rebolante dança do ventre na hora da eucaristia.
Então, tentemos com os substantivos: a teoria dos deveres de proteção serve como meio de vinculação (dos pormenores, dos segredos, das particularidades) aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição.
Faz sentido?
Faz tanto sentido quanto afirmar que viado pode ser mãe.
Nem como adjetivo, nem como substantivo “os particulares” dizem a que vieram no voto do senhor Fux.
Ora, se uma frase não tem sentido, a outra, a que lhe segue, perde também totalmente a significação, quando é sustentada na primeira. É a velha história: um cego não pode guiar outro cego.
Desse modo, a frase seguinte (Com isso, o Estado não fica apenas obrigado a abster-se da violação dos direitos fundamentais, como também a atuar positivamente na proteção de seus titulares diante de lesões e ameaças provindas de terceiros, seja no exercício de sua atividade legislativa, administrativa ou jurisdicional) também está destituída de qualquer significação, porque o “com isso” pretende ligá-la à primeira que, como antecedente, não diz coisa com coisa. Se o antecedente não faz sentido, o consequente perde a razão de ser.
Ou melhor, para que todo mundo entenda: não diz bosta nenhuma o voto. Outra vez.

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