quarta-feira, 13 de junho de 2012

VOVÓ NÃO VIU A UVA: VIU O REVÓLVE




João Eichbum

A vovó tem oitenta e sete anos. Quem tem oitenta e sete anos raciocina lentamente. A vovó, para se locomover, necessita de bengala. Quem necessita de bengala, a primeira coisa que faz, antes de andar, é pegar a bengala.
A vovó está dormindo, é alta noite, tem oitenta e sete anos e ouve um barulho no quarto, vê um vulto, pensa que é o seu neto.
Mas aí, o vulto fala com ela, ordena que ela não se mexa e sai do quarto.
A vovó se levanta. Mas, para se levantar, precisa da bengala. Será que ela, no escuro, sabe onde está a bengala?
Será que ela tem capacidade de se levantar no escuro, antes de pegar a bengala?
Ou terá que acender a luz?
O tempo anda. O  vulto aquele já não está no quarto.
Então a vovó, cronometrada pelos seus oitenta e sete anos, acende a luz, pega a bengala, se levanta, vai no roupeiro e remexe as roupas, procurando um revólver que lá está guardado e devidamente municiado, sem uso, há trinta e cinco anos. Naquele momento, a vovó não vê a uva (em Caxias), vê o revólver.
Revólver combina com bengala?
Ela não se preocupa, e com o passo resoluto de oitenta e sete anos, pega o revólver e sai atrás do sujeito que tinha estado no quarto. Ele está com um molho de chaves na mão e tenta abrir uma porta de ferro para sair.
Para entrar no apartamento – um apartamento, note-se – ele não precisou de chave. Teria entrado por uma janela. Mas agora, para sair, ele precisava das chaves, e tanto que as tinha na mão.
Mas, ele sabia onde estava o molho de chaves? Que intimidade com o apartamento da vovó, não é?
Então, o vagal vê a vovó com o revólver na mão e ameaça agredi-la. Mas a vovó atira, ele cambaleia e cai. Aí tenta levantar e a vovó mira no coração do cara e o acerta outra vez. E ainda, para dar por encerrada a questão, lhe dá um terceiro tiro. Ele, deitado, abatido, sem capacidade de reagir.
Quem já atirou com revólver sabe que o tiro provoca um safanão na mão de quem utiliza esse tipo de arma. Sabe que, para ser engatilhada, a arma exige uma certa força e que ninguém, aos oitenta e sete anos, nunca tendo usado arma na vida, e dependendo de uma bengala para se equilibrar, poderia com uma só mão, puxar o gatilho de um revólver que está municiado e sem lubrificação há trinta e cinco anos, sem uso.
Onde estava a bengala da vovó, nesse momento, enquanto os tiros lhes davam safanões na mão?
Qualquer bacharel que tenha feito um bom curso de Direito, absorvendo todo o conteúdo de  Medicina Legal, que inclui  Balística e Psicologia Forense, ao ler esta crônica vai parar por aqui mesmo:
ESTA NÃO DÁ, CONTA OUTRA!


Um comentário:

Gigi disse...

Parabéns pelo belo escrito, Eichbaum. Como é que não vi tudo isso por mim mesmo? Pior, não tinha lido nem comentários, nessa linha, na imprensa diária ou na internet.