João Eichbum
A vovó tem oitenta e sete anos. Quem tem
oitenta e sete anos raciocina lentamente. A vovó, para se locomover, necessita
de bengala. Quem necessita de bengala, a primeira coisa que faz, antes de
andar, é pegar a bengala.
A vovó está dormindo, é alta noite, tem
oitenta e sete anos e ouve um barulho no quarto, vê um vulto, pensa que é o seu
neto.
Mas aí, o vulto fala com ela, ordena que
ela não se mexa e sai do quarto.
A vovó se levanta. Mas, para se levantar,
precisa da bengala. Será que ela, no escuro, sabe onde está a bengala?
Será que ela tem capacidade de se
levantar no escuro, antes de pegar a bengala?
Ou terá que acender a luz?
O tempo anda. O vulto aquele já não está no quarto.
Então a vovó, cronometrada pelos seus
oitenta e sete anos, acende a luz, pega a bengala, se levanta, vai no roupeiro
e remexe as roupas, procurando um revólver que lá está guardado e devidamente
municiado, sem uso, há trinta e cinco anos. Naquele momento, a vovó não vê a
uva (em Caxias), vê o revólver.
Revólver combina com bengala?
Ela não se preocupa, e com o passo
resoluto de oitenta e sete anos, pega o revólver e sai atrás do sujeito que
tinha estado no quarto. Ele está com um molho de chaves na mão e tenta abrir
uma porta de ferro para sair.
Para entrar no apartamento – um
apartamento, note-se – ele não precisou de chave. Teria entrado por uma janela.
Mas agora, para sair, ele precisava das chaves, e tanto que as tinha na mão.
Mas, ele sabia onde estava o molho de
chaves? Que intimidade com o apartamento da vovó, não é?
Então, o vagal vê a vovó com o revólver
na mão e ameaça agredi-la. Mas a vovó atira, ele cambaleia e cai. Aí tenta
levantar e a vovó mira no coração do cara e o acerta outra vez. E ainda, para
dar por encerrada a questão, lhe dá um terceiro tiro. Ele, deitado, abatido,
sem capacidade de reagir.
Quem já atirou com revólver sabe que o
tiro provoca um safanão na mão de quem utiliza esse tipo de arma. Sabe que,
para ser engatilhada, a arma exige uma certa força e que ninguém, aos oitenta e
sete anos, nunca tendo usado arma na vida, e dependendo de uma bengala para se
equilibrar, poderia com uma só mão, puxar o gatilho de um revólver que está
municiado e sem lubrificação há trinta e cinco anos, sem uso.
Onde estava a bengala da vovó, nesse
momento, enquanto os tiros lhes davam safanões na mão?
Qualquer bacharel que tenha feito um bom
curso de Direito, absorvendo todo o conteúdo de
Medicina Legal, que inclui Balística e Psicologia Forense, ao ler esta
crônica vai parar por aqui mesmo:
ESTA NÃO DÁ, CONTA OUTRA!
Um comentário:
Parabéns pelo belo escrito, Eichbaum. Como é que não vi tudo isso por mim mesmo? Pior, não tinha lido nem comentários, nessa linha, na imprensa diária ou na internet.
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