LEI DE FUNDO DE QUINTAL
João Eichbaum
Desde que se entendeu por gente, o primata
humano vem tentando se livrar das inconveniências: das próprias e das que o
cercam. Começou, inventando deuses, depois criou as assembléias, presididas
pelos representantes desses deuses, comumente denominadas Igrejas, e por último
as organizações políticas. Sem falar nas escolas de samba, no jogo do bicho e
no futebol, claro, que ninguém é de ferro.
As
primeiras invenções, os deuses e as respectivas assembléias, deram certo, no
sentido de lhe amainar as paixões, entre as quais se destacava a tendência de
se tornar o "hominis lupus", (o lobo do homem) com a violência. Mas,
a política se transformou em antídoto contra aquela virtude, neutralizando,
pelo menos em parte, os efeitos da
crença nas divindades.
Tudo foi tentado: monarquia, aristocracia,
oligarquia, ditadura e, por fim, um coro desafinado chamado democracia. Essa
suplantou a passagem do tempo, varou os séculos no curso da história e se
firmou supostamente como o melhor dos sistemas políticos. A maioria dos povos a
aceitou, sem se dar conta de que não passava de um desaguadouro de hipocrisias,
sementeira de cinismo ou valhacouto de tretas e conchavos – como queiram.
Em países como o Brasil, construído pela
miscigenação de índios, africanos e europeus, o sistema subsiste com a mesma
satisfação de um orgasmo fingido. Como tempero se agregam a falsa tolerância e
os arreglos precedidos de cifrão. E
mercê desse tipo de política, temos leis sem qualquer compromisso com a ciência
jurídica. O povo, alienado, manda para o Congresso todo o tipo de gente. Por conta disso,
metalúrgicos, artistas e jogadores de futebol posam engravatados ao lado de
espertalhões que do batente nem a teoria conhecem.
Na
falta de juristas, sobra um caldo de incultura responsável por coisas tipo
artigo 2º do Projeto de Lei do Senado nº 499, parido pelos acontecimentos que
causaram a morte do cinegrafista Santiago Andrade: “Provocar ou infundir terror
ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à
integridade física ou à saúde, ou à privação da liberdade da pessoa”.
A quem quer que seja ligeiramente
alfabetizado não escapa a percepção de que “provocar” e “infundir” são
sinônimos, no texto. Um deles é inútil.
Ninguém advertiu o autor do projeto de que
“mediante” ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à
privação da liberdade da pessoa não se causa terror público automaticamente. O
texto, sim, pela pobreza de linguagem, infunde pavor. Ninguém lhe mostrou
o art. 251 do Código Penal, que exorciza disparates, e torna inútil o PLS
499:
“Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,
mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de
substância de efeitos análogos”. Isso causa pânico, mesmo que a lei não o diga.
Política e redação de
textos diarréicos, quando os queria dialéticos, qualquer um faz. Mas a
construção do ordenamento jurídico não é coisa para se fazer em metalúrgica de
fundo de quintal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário