quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

LEI DE FUNDO DE QUINTAL
           
João Eichbaum


Desde que se entendeu por gente, o primata humano vem tentando se livrar das inconveniências: das próprias e das que o cercam. Começou, inventando deuses, depois criou as assembléias, presididas pelos representantes desses deuses, comumente denominadas Igrejas, e por último as organizações políticas. Sem falar nas escolas de samba, no jogo do bicho e no futebol, claro, que ninguém é de ferro.
          As primeiras invenções, os deuses e as respectivas assembléias, deram certo, no sentido de lhe amainar as paixões, entre as quais se destacava a tendência de se tornar o "hominis lupus", (o lobo do homem) com a violência. Mas, a política se transformou em antídoto contra aquela virtude, neutralizando, pelo menos em parte,  os efeitos da crença nas divindades.
Tudo foi tentado: monarquia, aristocracia, oligarquia, ditadura e, por fim, um coro desafinado chamado democracia. Essa suplantou a  passagem do tempo, varou os séculos no curso da história e se firmou supostamente como o melhor dos sistemas políticos. A maioria dos povos a aceitou, sem se dar conta de que não passava de um desaguadouro de hipocrisias, sementeira de cinismo ou valhacouto de tretas e conchavos – como queiram.
Em países como o Brasil, construído pela miscigenação de índios, africanos e europeus, o sistema subsiste com a mesma satisfação de um orgasmo fingido. Como tempero se agregam a falsa tolerância e os arreglos precedidos de  cifrão. E mercê desse tipo de política, temos leis sem qualquer compromisso com a ciência jurídica. O povo, alienado, manda para o Congresso  todo o tipo de gente. Por conta disso, metalúrgicos, artistas e jogadores de futebol posam engravatados ao lado de espertalhões que do batente nem a teoria conhecem.
 Na falta de juristas, sobra um caldo de incultura responsável por coisas tipo artigo 2º do Projeto de Lei do Senado nº 499, parido pelos acontecimentos que causaram a morte do cinegrafista Santiago Andrade: “Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde, ou à privação da liberdade da pessoa”.
A quem quer que seja ligeiramente alfabetizado não escapa a percepção de que “provocar” e “infundir” são sinônimos, no texto. Um deles é inútil.
Ninguém advertiu o autor do projeto de que “mediante” ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à privação da liberdade da pessoa não se causa terror público automaticamente. O texto, sim, pela pobreza de linguagem, infunde pavor. Ninguém lhe mostrou  o art. 251 do Código Penal, que exorciza disparates, e torna inútil o PLS 499: “Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos”. Isso causa pânico, mesmo que a lei não o diga.
Política e redação de textos diarréicos, quando os queria dialéticos, qualquer um faz. Mas a construção do ordenamento jurídico não é coisa para se fazer em metalúrgica de fundo de quintal.






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