MACACOS
João Eichbaum
Eu sou macaco. Felizmente, sou macaco. Se fosse outro tipo de ser, um ser
dotado de espírito, eu seria muito infeliz. Porque não me conformaria com as
injustiças do mundo. Não me conformaria com o desnível social: poucos com muito,
e muitos com pouco ou até nada. Não me conformaria com o desequilíbrio
estético: a Angelina Jolie com aquela beleza toda, despertando a paixão dos
machos de todo o mundo, e eu, feio e desengonçado, sem capacidade para atrair a
atenção de um mísera fêmea, uma só que fosse, caolha, capenga, de pernas
tortas. Não me conformaria com a desproporção de oportunidades: enquanto o
Rafael Moura, que não joga bosta nenhuma está jogando no Internacional, eu, com
tudo o que sei de futebol, não tenho chance nem como gandula da várzea.
Mas, felizmente, sou macaco, não preciso me preocupar com as injustiças,
quaisquer que elas sejam, porque tudo é macaco, todo mundo vai para o fundo de
uma cova, ou para a barriga de um tubarão, se cair no mar durante uma viagem de
avião ou de navio.
O que eu quero dizer é o seguinte: não se pode falar de injustiça porque
não existe ninguém administrando a nossa vida, a não ser os acasos.
Isso posto, vamos ao que interessa. Uma velhinha de 72 anos, que depende
de andador para se locomover, foi condenada a quatro anos de prisão e terá que
pagar indenização a Karina Chiaretti, Suelen Meirelles e Alex Marques da Silva,
a R$ 28. 960,00 por cabeça, em razão de os ter chamados de “macacos”,
acrescentando que não gosta de negro, porque “negro é imundo, a entrada de
negros no shopping devia ser proibida” e que “odeia negros, negros são
favelados.”
A notícia do jornal não diz qual foi a reação dos ofendidos. Ao que tudo
indica, engoliram em seco, sem reação à altura, para garantir a indenização e o
castigo da velhinha.
Não precisa ser psicólogo para saber que a velhinha, mal das pernas e no
fim da vida, está de mal com o mundo, se
sente como a última das criaturas. Despeja sua raiva nos negros, porque os
brancos não iriam se ofender se ela os chamasse de brancos. Só o negro se
ofende, quando alguém se refere à cor de sua pele.
Se alguém chama a outrem de “corno”, por exemplo, o máximo que o ofendido
consegue é um processo lento, oneroso, que acaba não dando em nada porque o
ofensor não vai para a cadeia. Mesmo que a mulher do ofendido seja mais fiel do
que a Virgem Maria. Mas se um negro é chamado de negro, pobre do ofensor, não
tem perdão, vai para a cadeia.
O que é isso, minha gente? É justiça?
Por favor: isso é privilégio, é discriminação, porque os negros têm mais
direitos do que os brancos.
E é em nome dessa discriminação que se manda uma velhinha aleijada para a
cadeia e se engorda a conta bancária de quem tem o privilégio de ser negro e de
não ser macaco.
Nós, que pertencemos ao resto da humanidade, somos macacos e não temos
como provar que não o somos. Só eles, a Karina, a Suelen e o Alex não pertencem
à nossa espécie: eles não são macacos.
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