quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O PADRE E O HEREGE

João Eichbaum

Fomos à aula, rezamos, cantamos, ouvimos sermões e admoestações, participamos de jejuns e retiros, decoramos verbos e poesias, tudo debaixo das mesmas telhas, durante alguns anos. Mas, tempos depois separamos nossa trilha sonora.  Elegi aquela parte majoritária da humanidade, que muito se compraz na reprodução da espécie. Ele tomou outro rumo: se submeteu aos votos de castidade, se tornou padre.
Ordenado sacerdote, logo revelou  dotes para a retórica, com um pensamento coerente, recheado de lógica, temperado pela voz dominadora, que se impõe a qualquer auditório. Assim no púlpito, como nas salas silenciosas de conventos ou mosteiros, a convicção vem afinada naquele tom de voz. Ele fala com firmeza, convicto do que está dizendo, olha a platéia nos olhos sem desviar o foco, mostrando que é senhor daquilo que diz. E aí todo mundo se liga e prepara o coração pras coisas que ele vai dizer, porque ele não é um cara chato, nem quando fala sério. Sua virtude é fruto da disciplina e da perseverança  trabalhadas com afinco:" orator fit".
Ano passado, quando da instalação das luzes na praça Saldanha Marinho, depois de ter ele abençoado o povo e o empreendimento cristão, um amigo comum me assoprou: "o padre Xiko é uma unanimidade aqui".
Não preciso dizer que falo do padre Francisco Luiz Bianchin, essa figura polivalente de que a cidade de Santa Maria não abre mão, nos eventos sociais e espirituais, nos acontecimentos que trazem alegria ou a fazem imergir na tristeza.
O Xiko - é desse modo que o trato, sem o padre na frente, porque éramos guris quando nos conhecemos - é uma criatura que não faz restrições: trata crentes e descrentes com a mesma condescendência, mostrando que não está a serviço duma divindade implacável.
Sei que ele lê este herege, porque o parabeniza quando escreve coisas decentes, e cala, respeitosamente, quando a crônica desanda em elucubrações desalmadas e materialistas. Jamais tece qualquer comentário desairoso, quando o cronista, este personagem envelhecido em barris de chope, afirma, por exemplo, que Judas abandonou a Santa Ceia, porque o vinho era ruim, do tipo de lavar motor de caminhão, ou que J. Cristo morreu com um pontapé nos bagos e não crucificado.
O Xiko não dá a mínima para as descrenças do cronista, quando o encontra - e esses encontros ocorrem sempre em momentos festivos, onde o que conta é a alegria de conversar com os amigos, sejam eles cândidos eleitos da divindade cristã, ou meros candidatos ao inferno.
O Xiko é, mesmo, unanimidade. E é dessa unanimidade que Santa Maria precisa. Não sei se ele é torcedor do Interzinho ou do Riograndense. Mas tenho certeza de que, chamado, ele irá benzer as camisetas coloradas na Baixada Melancólica ou as verde-rubras no Estádio dos Eucaliptos. Tenho certeza de que irá convocar todos os partidos, irá rezar junto com todos os pastores e rabinos, com os que querem indenização e os que querem justiça, se isso tudo for necessário para que Santa Maria seja, como ele, unânime.




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