sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A MORTE AO VIVO
João Eichbaum

Ninguém ressuscitou para contar como foi. E isso se deve a uma razão muito simples: como animais, temos condições e prazo de validade. As primeiras são criadas pelos homens e o último é estabelecido pela natureza.  Cumpridas aquelas ou vencido esse, apodrecemos como qualquer matéria orgânica inanimada, sem volta.
Pode ser que a caixa preta do avião Cessna Citation 560XL, Prefixo PR-AFA que caiu em Santos, matando o candidato à presidência da República Eduardo Campos, seus assessores e dois pilotos, dê algumas pistas sobre o acidente. Talvez registre exclamações de pavor, um desesperado clamor por “Deus”, ou palavrões de raiva. Mas, certamente, não vai registrar as verdadeiras causas do acidente.
Das fotos, notícias e depoimentos o que se capta é que foi um acidente anunciado pelo fogo numa das turbinas.
Assim sendo, é possível depreender o pavor de todos quantos se encontravam dentro da aeronave, todos jovens. A morte, para eles, podia ser realidade, mas uma realidade distante, impensável. Naqueles momentos, todavia, ela se anunciou, nítida, sem rodeios: no fogo, no desequilíbrio do avião, no voo cego de encontro aos edifícios, na súbita transformação da esperança em desespero.
A morte, se for anunciada minutos antes de sua chegada, trucida primeiro  a alma do ser humano, (essa entendida como a plenitude de suas funções psíquicas) aguçando-lhe o pavor diante da dor física inevitável e da certeza de que tudo está acabando: é o pior dos fins.
A natureza é mais sábia e menos sádica do que a inteligência humana: ela primeiro tira do homem a vontade de viver, quer pela intensidade da dor, quer pela irreversibilidade da doença, com o  desaparecimento de todas as  condições de viver plenamente a vida. O fim não passa de mera consequência, venceu-se o prazo de validade.

O homem cria as condições da própria morte, inventando toda a sorte de instrumentos potencialmente mortíferos. Já a natureza simplesmente estabelece o prazo de validade para a vida.

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