SUA EXCELÊNCIA, A
ESTAGIÁRIA
João Eichbaum
A Daini (oxítona, tem o
acento tônico no último “i”) é uma gata de olhos amendoados, pálpebras de quem
acaba de sair do salão de beleza, e um corpo com as melhores coisas que só a
natureza sabe fazer. Sabe a Gisele Bündchen? Nada a ver. Para encontrar o
máximo denominador comum de graça e beleza, é preciso procurar a Daiani.
Eu a conheci no
esplendor da adolescência. Coisa mais fofa. Aquela belezura toda, de mandar
embora o espírito, queria cursar Faculdade de Direito.
“Que que tu acha, eu
passo?” E me olhava com aqueles olhos amendoados, de tal maneira, que o meu
olhar de animal adormecido, sem poesia nenhuma, e ainda atordoado, tinha que
procurar qualquer recanto na sala para se aninhar, com medo de algum artigo do
Código Penal.
Pois é. Nada é perfeito
neste mundo. A Daini, em quem a beleza estacionou como quem veio para ficar,
tem um cérebro desse tamanhinho. Escreve como fala. Para ela não há conjugação
de verbo. Um palavrão, tipo “sintagma nominal”
por exemplo, iria derreter-lhe o cérebro, fazendo-a desmaiar,
esparramando no chão toda aquela candura sensual. Apanhava da matemática a
pobrezinha, sem dó, nem piedade, e da química, e da física, e da biologia e,
diante de tudo quanto exigisse raciocínio, seu pensamento se esfarelava como
pastel de vento. Para concluir o segundo grau, teve que mudar de escola. Para
sorte sua, existem na sua região várias faculdades de Direito, e essa
concorrência não permite que se entregue ao desconcerto da reprovação qualquer
candidato, por mais analfabeto que seja.
Mal gatinhava no
primeiro semestre do Direito, a Daini ouviu falar que um juiz da comarca andava
à procura de estagiárias. Não teve dúvida, correu para o foro. O único
certificado que apresentou foi o de beleza. E passou a integrar a mão de obra
barata, contratada para tirar o Judiciário do atoleiro dos processos.
Graduada, como todo
mundo, na arte de "copiar e colar", em breve estava compondo
sentenças e despachos, autenticados pela “certificação digital”.
Concluiu o curso de
Direito, a duras penas, graças aos olhos e aos ouvidos fechados dos
professores, presos às metas comerciais da Faculdade, que não permite
reprovações. Quem fez o trabalho de conclusão por ela, nem sua mãe sabe.
A festa de formatura
com direito ao telão das pieguices, os abraços, as lágrimas, os agradecimentos,
o baile, não representaram para ela uma conquista, uma colheita de sucessos,
mas simplesmente o fim duma pantomima.
Reprovada várias vezes
no exame da Ordem, a moça, que ontem montava sentenças e despachos, indeferindo
petições de provectos advogados, hoje pertence à subclasse dos bacharéis que
não sabem o que fazer com o diploma. Sob a inclemência de um desespero só
comparável ao das vítimas de suas cópias e colas, ela continua estudando, se
esfalfando, debruçada em cima de polígrafos das provas da OAB.
Tomara que Hollywood a
descubra, antes que passe no concurso de
juiz.
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