sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

À IMAGEM E SEMELHANÇA DOS ABUTRES

João Eichbaum

É evidente que a evolução do animal humano compreende tanto sua parte física como a intelectual. Assim como ele perdeu o rabo, aperfeiçoou os neurônios. Mas, antes do estágio atual, quando ainda era mais comandado pelo instinto do que pela inteligência e ainda não tinha condições para entender os fenômenos da natureza, inventou deuses, a quem atribuiu a geração de tais processos.

E nunca mais se livrou dessas divindades por ele criadas. Mesmo depois de desvendados os fenômenos naturais, ainda há lugar na mente da maioria das pessoas para acreditarem em deuses. E isso, pela simples razão de que há um fenônemo para cuja compreensão o homem tem inteligência, mas não tem a coragem de aceitar: a morte.

A partir dessa fraqueza, a morte se tornou o melhor produto de que dispõem  as religiões para vender seus deuses. Assim, recusando-se a aceitar a ideia de que com a morte tudo termina, o animal humano se deixa enganar pelas fantasias das religiões. O raciocínio, com prova na ciência, lhe impõe a certeza de que é feito de matéria perecível, carne e osso, como qualquer outro animal. Mas o medo e o amor por si mesmo o levam à humilhação de voltar aos tempos em que seus neurônios não o ajudavam a raciocinar.

De Bacco à Santíssima Trindade, há deuses para todas as ocasiões, gostos, alegorias e graus de inteligência. E cada crente dota o seu deus das qualidades que lhe assopra o bestunto. Por exemplo, li hoje o e-mail de uma pessoa que, lamentando a situação de um amigo em estado terminal, se saiu com essa: “que seja feita a vontade divina”.

Então, temos o seguinte: um deus sádico, que inflige doença e dor, e acaba matando o padecente; um crente  piedoso, compassivo e indulgente, que aceita a maldade divina e com ela se conforma.

Com o espírito envenenado pela irracionalidade da fé desde a infância, o crente, sem querer, acaba tirando dos abutres para botar nas divindades, enquanto se reveste, ele próprio, duma magnanimidade furtada aos deuses.


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