À IMAGEM E SEMELHANÇA DOS ABUTRES
João Eichbaum
É evidente que a evolução do animal
humano compreende tanto sua parte física como a intelectual. Assim como ele perdeu
o rabo, aperfeiçoou os neurônios. Mas, antes do estágio atual, quando ainda era
mais comandado pelo instinto do que pela inteligência e ainda não tinha
condições para entender os fenômenos da natureza, inventou deuses, a quem
atribuiu a geração de tais processos.
E nunca mais se livrou dessas divindades
por ele criadas. Mesmo depois de desvendados os fenômenos naturais, ainda há
lugar na mente da maioria das pessoas para acreditarem em deuses. E isso, pela
simples razão de que há um fenônemo para cuja compreensão o homem tem
inteligência, mas não tem a coragem de aceitar: a morte.
A partir dessa fraqueza, a morte se
tornou o melhor produto de que dispõem
as religiões para vender seus deuses. Assim, recusando-se a aceitar a
ideia de que com a morte tudo termina, o animal humano se deixa enganar pelas
fantasias das religiões. O raciocínio, com prova na ciência, lhe impõe a
certeza de que é feito de matéria perecível, carne e osso, como qualquer outro
animal. Mas o medo e o amor por si mesmo o levam à humilhação de voltar aos
tempos em que seus neurônios não o ajudavam a raciocinar.
De Bacco à Santíssima Trindade, há deuses
para todas as ocasiões, gostos, alegorias e graus de inteligência. E cada
crente dota o seu deus das qualidades que lhe assopra o bestunto. Por exemplo,
li hoje o e-mail de uma pessoa que, lamentando a situação de um amigo em estado
terminal, se saiu com essa: “que seja feita a vontade divina”.
Então, temos o seguinte: um deus sádico,
que inflige doença e dor, e acaba matando o padecente; um crente piedoso, compassivo e indulgente, que aceita
a maldade divina e com ela se conforma.
Com o espírito envenenado pela irracionalidade da fé desde a
infância, o crente, sem querer, acaba tirando dos abutres para botar nas
divindades, enquanto se reveste, ele próprio, duma magnanimidade furtada aos
deuses.
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