SACERDOTE PARA SEMPRE
João Eichbaum
Jesus Cristo, que fazia vinho
até de água, volta e meia se deixava arrebatar pelas emoções: rogava praga,
pegava chicote, xingava fariseus, fazia discursos inflamados. Num desses,
bradou para seus discípulos “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo!”
A frase atravessou os séculos, com irresistível poder de “marketing”.
No rito da ordenação sacerdotal, se não estou enganado, o bispo impõe
as mãos sobre o diácono candidato a padre e pronuncia as seguintes palavras;
“Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melchisedec (tu es sacerdos in
aeternum, secundum ordinem Melchisedec)”.
A partir desse momento, a Igreja Católica trata o padre como um homem
escolhido pela divindade judaico-cristã para difundir a “sua palavra”, e o
privilegia com a jurisdição sobre as “almas”. Concede-lhe o poder de ouvir e
perdoar pecados, de transformar a hóstia e o vinho em “corpo e sangue” de Jesus
Cristo, de unir casais apaixonados, de encaminhar defuntos para a outra vida. E
lhe inculta a missão especial de arrebanhar, dum jeito ou doutro, adeptos que
estejam a fim do “reino dos céus”.
A morte é a matéria prima de que se valem as religiões para vender seu
produto. O esgotamento do prazo de validade dessa composição física e química
que é o animal, e que é uma coisa tão natural como o nascimento, foi
transformado pelas religiões em mistério. O homem, esse animal que pensa e que,
por isso mesmo, tem medo, foi explorado em seu lado fraco e aceitou a ideia de
que a morte, longe de ser o fim, é um passaporte carimbado com visto, para ingresso na vida eterna. Implantada a ideia,
as religiões usaram de todos os meios possíveis para que o mito permanecesse,
como um aviso constante: preparem as almas para a outra vida.
No caso da Igreja Católica, os que compõem o corpo eclesiástico são os
arautos desse pensamento de que existe outra vida depois da morte e de que há
galardões à espera de quem se comporta direitinho, confessa, comunga, vai à
missa, paga o dízimo, não deseja o marido nem a mulher do próximo.
O mito da vocação sacerdotal, (“não fostes vós que me escolhestes, mas
eu que escolhi a vós”) gerado no tempo em que Igreja se impunha pelo fausto e
pelo poder material, foi erigido à condição de “status”. Ela passava para os
crentes a ideia de que padre era um ser ungido com poderes “divinos”. Assim,
engastado com tais atributos, era visto como ente superior, colocado acima dos mortais comuns, aqueles que ficaram
fora da lista, não foram chamados nem escolhidos.
Foi com essa imagem que o
sacerdócio imantou várias gerações.
Mas, vá a um asilo de padres, hoje, para ver se essa ideia de
superioridade ainda permanece. Lá estão aqueles velhinhos, que um dia foram o
“sal da terra”, com cara de tios solitários e tristes, olhando sem ver, ouvindo
sem escutar, desplugados, entregues ao descontrole das funções fisiológicas, o
pensamento vazio, sem saber quem são, o que fizeram, para onde vão; sem ter
consciência plena de que estão vivos e de que fazem parte dessa grei chamada
humanidade.
Então se vê que os “escolhidos” não foram poupados dos estragos da
degenerescência. Foram colocados na fila de saída, completamente apagados, sem
o direito de saber o endereço que os espera: céu, inferno ou purgatório, de que
falavam quando eram “luz do mundo”.
Não há santidade que resista à miséria da velhice. Não há velhice que
resista à decomposição imposta pela natureza, sem distinção entre santos,
pulhas e ateus.
Um comentário:
Da bela crônica, me chamou a atenção, muito particularmente, a passagem sobre asilo dos padres idosos. Porque eu conheço um desses. Que aflição!
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