EXPRESSÃO OU INSULTO?
João
Eichbaum
O massacre – a palavra é essa mesmo, massacre –
ocorrido em Paris mexeu de tal ponto com milhões, ou quem sabe bilhões de
pessoas, que é impossível não continuar falando nele. O assunto do momento é o
chamado “direito de expressão”, por conta do qual teriam sido publicadas,
impunemente, charges ofensivas ao representante do deus dos muçulmanos.
O resultado, todo mundo sabe: se as leis da França não
punem insultos contra religiões, os adeptos de Maomé assumiram a tarefa da
punição, em nome do ofendido. E deu no que deu.
É uma coisa muito simples, mas muitos doutores e
intelectuais dos mais variados níveis não atinam com a distinção entre
“expressão” e “insulto”. Existe, sim, o direito de expressão nos regimes
democráticos. Se todos fossem condenados ao silêncio, se a todos fosse imposta
a obrigação de engolir cobras e lagartos não haveria democracia.
Mas, “direito ao insulto” não existe. Ninguém tem o
direito de expor ao ridículo a quem quer que seja. Esse “direito” a lei
brasileira não reconhece. Quem insulta, responde pelo insulto, perante os
tribunais. E estamos conversados. O “direito de expressão” diz com o direito de
liberdade, é decorrência da liberdade democrática e favorece manifestações de
crítica, de divergência, de opinião pessoal. Não envolve, porém, o direito à
agressão, à ofensa, à humilhação.
Sendo a ofensa um sentimento negativo pessoal, nenhum
terceiro tem o direito de tomar as dores do ofendido. Se eu ofender a Maomé,
que vá ele aos tribunais, ou que mande raios para me destruir. Mas ninguém tem
o direito de se doer por ele, exigindo reparação.
Na realidade, os redatores e chargistas do Charlie
Hebdo confundiram “direito de expressão” com “direito ao insulto”, se servindo
desse como matéria para um humor com mais deboche do que graça. Passaram dos
limites, como também dos limites passaram, e muito, seus algozes. A diferença
consiste em que esses últimos eram energúmenos, de inteligência obscurecida
pela lavagem cerebral da religião, que promete 72 virgens para cada um depois
da morte, e aqueles, tidos como intelectuais.
Qualquer pessoa de bom senso condena o ato hediondo da
matança coletiva. Mas, se em vez disso, tivessem os chargistas e redatores
levado uma sumanta corretiva, o resultado seria outro. Eles serviriam de
matéria para charges de fazer rir a Maomé, e o mundo teria sido poupado dessa
comoção, que ninguém sabe onde vai dar.
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