quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O NÉRIO SABE DAS COISAS

O contador de histórias, que era cego, no Hospital de Isolamento do Sanatório Partenon

Um emeil que o amigo de Sorocaba, Dr. Rogerio de Morais, mandou, com texto da Martha Medeiros ( fillha de um grande amigo meu, dentista emérito) me faz lembrar uma passagem triste de minha juventude.

Em julho de 1957, nas férias de inverno, em Antonio Prado, não sei como contraí varíola. Sim. Variola. Na vinda no ònibus, para o colégio me senti muito mal. Febre altissima. Corpo frio, Tremores, Suor frio, etc..um horror. Achei que iria morrer. 

Eu morava numa república de estudantes, na rua Ferreira Vianna, edificio Estarita, 3° andar, bem perto do hospital de Clínicas e era meu companheiro de quarto, o hoje grande medico, um dos donos do Serdil, da radiografia, o Dr. Womir Duarte, de Vacaria, irmão, do fundador, Dr. Dakyr Duarte. Este, também, um grande. Passei tres dias mal. Não retornei à aula no 3° ano clássico, do Col. Anchieta em agosto.

 Quando foi no quinto dia de febrão total, meu corpo apareceu todo manchado e cheio de brotoejas vermelhas, por tudo, dentro da boca, e as brotoejas doiam, mais no couro cabeludo e na sola dos pés onde a pele é mais dura e mais grossa. O Volmir de imediato chamou o professor dele, na Faculdade de Medicina da UFRGS - o catedrático de Doenças Tropicais, Dr. Louzada e constatou caso títpico de varíola. Chamou a ambulância, vacinaram toda a rua Ferreira Vianna, que foi fechada e assim eu fiquei famoso por um dia, pois, todos ficaram sabendo que eu tinha sido a causa da vacina dos moradores da rua. 

E fui levado na companhia do Dr. Dakyr Duarte, para o Sanatório Partenon, na Av. Bento Gonçalves, ainda existente, e aí fui internato no Hospital de Isolamento de doenças infecto-contagiosas. Estava lotado. Fiquei num dos primeiros quartos. Havia um corredor e lá no fundo uma enfermaria coletiva. Era o dia 3 de agosto de 1957. Fiquei internado até o fim de outubro, mais ou menos. 

Ao sair o Nicanor  ( meu irmão mais velho)  me arrumou  outro lugar para morar e então fui residir em outra repúplica, na rua Alberto Torres, no Edificio Harmonia, cuja senhora alugava quartos e morei no quarto com o sargento da Aeronáutica, o Sr. Paulo, que trabalhava na Torre de Comando do Aeroporto Salgado Fillho e que muito me ajudou, pois, ele era bem mais velho do que eu mais experiente era nortista e tinha experiência e ele me comprava pomada "minâncora" e mandava passar no rosto e assim as manchas vermelhas foram desaparecendo e, por graça de Deus e tratamento que recebi no Hospital de Isolamento, não fiquei marcado com os furos no rosto da varíola.

Hoje faço parte de associação que participa e ajuda o Sanatório Partenon, onde se internam ainda os tuberculosos e são muitos e os atacados de Aids e são muitos. La dentro funciona o Hemocentro do sangue e também o Posto de Saúde do Murialdo. Tem um movimento fantástico. E lá está o prédio do Hospital de Isolamento onde eu fiquei internato. Tenho participado de varios acontecimentos em favor do Sanatório Partenon, como agradecimento ao tratamento que recebi.

Num dos quartos do corredor, que dava para a enfermaria coletiva nos fundos, estavam internados dois homens, idosos, um na cama da janela e outro na cama contra a parede. Não lembro que doença tinham. Pulmão?...Estavam muito doentes. Quanto eu fiquei mais ou menos bom, eu desobedecia a chefia e caminhava pelo corredor, ia ate´a janela gradeada do meu quarto e via as mulheres tuberculosas do Pavilhão Feminino no recreio e brigavam muito e o pessoal da enfermagem tinha que intervir. Eu falava pela janela gradeada com as tuberculosas. O que causou o furor da chefia e fui proibido de ir a janela, pois, diziam quem via cara não via pulmão e eu estava me curando da varíola e podia contrair tuberculose.  Um horror.

Mas, fiz amizade com os dois homens do dito quarto, e até conversamos, eu na porta e eles deitados. Lógico, quando não tinha ninguém da enfermagem no Hospital de Isolamento.

Hoje o prédio do antigo Hospital de Isolamento, ainda está lá, de pé, bem construido, à direita de quem entra - e é o chamado   " hospital dia",   os pacientes ficam durante o dia, se tratando, tomando remédio, e à noite vão para casa. Eu reconheci para os servidores atuais o Hospital de Isolamento e dei detalhes. Não tem nada escrito. Costumavam queimar tudo. Lógico. Tudo era contagioso e assim não há registros. Agora o setor histórico, com a esforçada dra. Denise Bastos,  está fazendo a recuperação da história e tudo registra,  do hospital Sanatório Partenon no combate a tuberculose que matava mesmo.

O que acontece hoje, entre os pacientes, tuberculosos, ( muitos) e os da AIDS ( centenas) e de outras doenças infecto-contagiosas é impressionante e daria peças de teatro e filmes de boa audiência. Do que é capaz a pessoa humana neste estado de doença, de dor, de tragédia e tendo quase certeza de que vai morrer. Muda tudo.

Pois bem, o homem que ficava deitado na janela, na cama ao lado da janela, passava o dia contando o que via de sua cama lá fora, e assim distraia o colega de cama, que estava contra a parede  que não via nada. Inclusive eu nas conversas que tive não notei nada de anormal nas vistas e na visão do homem deitado contra a janela. Só sabia que eram doentes graves e não podiam levantar da cama.

Um dia estive na porta e a cama da janela estava vazia. Na noite anterior, como era comum, muitos morriam, pois, tinha tudo que era doença infecto-contagiosa - e o homem da cama da janela tinha morrido.

Só então fique sabendo que o doente que ficava na janela e tinha a   "visão"   do mundo exterior, contava histórias para o colega da cama contra a parede, só, que, vejam o detalhe o homem deitado na cama da janela, era cego, devido  a sua doença e não via nada e o que contava para o colega de infortúnio na cama da parede era tudo invenção de  sua  memória e fantasia para distrair a ele, passar o tempo de doentes acamados e  tambem passar o tempo do colega da cama contra a parede. Então, ele, generoso, em sua miséria doentia, inventava histórias do que   "via" pela janela, e tudo era invenção  de  sua mente prodigiosa, própria de sua doença, no dizer dos enfermeiros que eu não sei até hoje o que ele tinha.

Depois eu soube que era um homem de certa cultura e gostava de ler romances e tinha lido histórias de pacientes nos Pavilhões de Cancerosos e provavelmente tivesse lido esta história e que repetia para seu colega de quarto e de morte próxima.

Mas ficou gravado em mim a generosidade e a doação da pessoa humana naquele transe da doença e a proximidade da morte. Ele, imaginativo, criativo, inventava que via pela janela e contava histórias para o colega de morte próxima. Este fato, já era do conhecimento dos enfermeiros e diziam   "tudo é mentira. ele é cego e não vê nada e inventa histórias para o colega de quarto"...Mas isto eu fiquei sabendo só depois da morte do cego  contador de histórias do Hospital de Isolamento.

Nério "dei Mondadori" Letti.


 

2 comentários:

DEMOCRACIA JUSTIÇA E ESPIRITUALIDADE disse...

Bela Historia Joao. Só que li a mesma história pela Internet que aconteceu a mesma historia em um lugar da Europa. Mas valeu a intenção do plagio. rsssss

DEMOCRACIA JUSTIÇA E ESPIRITUALIDADE disse...

Bela Historia Joao. Só que li a mesma história pela Internet que aconteceu a mesma historia em um lugar da Europa. Mas valeu a intenção do plagio. rsssss