terça-feira, 31 de março de 2015

SEM PALAVRAS
João Eichbaum

É difícil falar sobre a catástrofe que respingou em toda a humanidade, com o fim do voo 4U9525 da companhia aérea Germanwings em Seyne-les-Alpes. O que dizer daqueles meninos e meninas que vinham felizes da Espanha, realizados, enriquecidos pelas novas amizades, engrandecidos pelos momentos de alegria esfusiante nos dias que lá passaram? De repente se esvaziaram de toda essa riqueza, a boca secou, a alma secou, e os olhos começaram a se encharcar de lágrimas? E o que dizer de seus pais, que sofrerão para sempre o tormento de terem entregado para a morte os filhos que queriam entregar para a vida?

O que dizer do piloto, Patrick Sonderheiner, que morreu, tentando, desesperadamente, abrir a porta da cabine de comando, para salvar a vida dos passasseiros e a sua? Teria morrido com a machadinha na mão, cheio de ódio e dominado pela impotência? Ou seu ultimo pensamento teria sido seus filhos pequenos, que não seriam poupados da dor?

O que dizer do horror da morte, que mandou antes dela o desespero, para torturar um a um e a todos indistintamente, como seus escolhidos naquele dia e naquela hora? Como abafar, dentro de nossa imaginação os gritos lancinantes daqueles que se recusavam a deixar a vida? Como encarar a morte, quando ela mesma se anuncia?

E o que dizer de Andreas Lubitz? Até que ponto a doença lhe permitiria a consciência da própria maldade, torturando pessoas inocentes, que nada tinham a ver com seus problemas, ceifando vidas com a frieza de um carrasco? Se teve consciência para travar a porta da cabine, como não a teria nos atos subsequentes, preso à convicção de que mataria a todos?

Nunca se saberá. Mas, depois disso, ninguém apagará a certeza de que o homem, pintado por filósofos e religiosos como um ente que merece ser respeitado por sua dignidade, é pior do que qualquer outro animal. Enroscado em si mesmo, ainda que dominado pelo demônio da depressão, ele não se desgarra do egoísmo: ele, em primeiro lugar.


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