SEM
PALAVRAS
João Eichbaum
É difícil falar sobre a
catástrofe que respingou em toda a humanidade, com o fim do voo 4U9525 da companhia aérea
Germanwings em Seyne-les-Alpes. O que dizer daqueles meninos e
meninas que vinham felizes da Espanha, realizados, enriquecidos pelas novas
amizades, engrandecidos pelos momentos de alegria esfusiante nos dias que lá
passaram? De repente se esvaziaram de toda essa riqueza, a boca secou, a alma
secou, e os olhos começaram a se encharcar de lágrimas? E o que dizer de seus
pais, que sofrerão para sempre o tormento de terem entregado para a morte os
filhos que queriam entregar para a vida?
O que dizer do piloto,
Patrick Sonderheiner, que morreu, tentando, desesperadamente, abrir a porta da
cabine de comando, para salvar a vida dos passasseiros e a sua? Teria morrido
com a machadinha na mão, cheio de ódio e dominado pela impotência? Ou seu
ultimo pensamento teria sido seus filhos pequenos, que não seriam poupados da
dor?
O que dizer do horror da
morte, que mandou antes dela o desespero, para torturar um a um e a todos
indistintamente, como seus escolhidos naquele dia e naquela hora? Como abafar,
dentro de nossa imaginação os gritos lancinantes daqueles que se recusavam a
deixar a vida? Como encarar a morte, quando ela mesma se anuncia?
E o que dizer de
Andreas Lubitz? Até que ponto a doença lhe permitiria a consciência da própria
maldade, torturando pessoas inocentes, que nada tinham a ver com seus problemas,
ceifando vidas com a frieza de um carrasco? Se teve consciência para travar a
porta da cabine, como não a teria nos atos subsequentes, preso à convicção de
que mataria a todos?
Nunca se saberá. Mas, depois
disso, ninguém apagará a certeza de que o homem, pintado por filósofos e
religiosos como um ente que merece ser respeitado por sua dignidade, é pior do que
qualquer outro animal. Enroscado em si mesmo, ainda que dominado pelo demônio
da depressão, ele não se desgarra do egoísmo: ele, em primeiro lugar.
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