CRÔNICA PARA SUBSTITUIR UM ABRAÇO
João Eichbaum
A vida te despediu, Hugo Cassel. A vida
te despediu, como despede a todo mundo, sem direito a indenização, nem à
recondução, algumas vezes com, outras vezes sem aviso prévio. A alguns despede
sem dores, mas a outros impõe angústia, sofrimento, agonia. Assim como se livra
dos insatisfeitos, manda embora também os que estão de bem com ela. Não tem
critérios.
Tu foste um desses: estavas de bem com a
vida, não havia motivos para que ela te despedisse. Cometeu essa injustiça
contigo e isso me fez muito mal. Ela não permitiu que eu te desse um último
abraço e que, nesse abraço, te confessasse dois sentimentos antagônicos: minha
inveja e minha gratidão para contigo.
A inveja me bateu, quando te vi com o
quepe branco, o terno azul e o distintivo da Varig. Tu tinhas te mudado para o
mundo dos meus sonhos, eras comissário de voo (“aeromoço”, naquele tempo).
Varavas o Brasil inteiro, mais perto do céu de anil ou do cruzeiro do sul,
enquanto eu acomodava meus calos nos tamancos, vendendo jornais na praça.
Mas, a gratidão, muito mais forte do que
a inveja, veio alguns anos depois, quando me levaste para o jornalismo. Sem
eira nem beira, sem tem onde cair morto, vim de Santa Maria para cursar
faculdade. Superado o vestibular, me senti entregue aos desmandos do destino,
porque não tinha como sobreviver. Então vieste ao meu encontro e me levaste
para a Rádio Farroupilha.
Introduzido no jornalismo, tudo ficou
fácil e pude escolher o que de melhor a vida oferecia. E então, a fim de
cumprir o script que o destino nos reservara, cada um de nós foi para o seu
lado. O labirinto da vida, porém, não foi suficiente para impedir nosso
reencontro, através daquilo que sempre foi nossa cachaça: as letras. Mas, já
era tarde. Era pouco o tempo de convivência que nos restava, porque a vida
havia decidido te despedir, antes que te despedisses de mim.
Hoje, debaixo da sombra cinzenta da
tristeza, sou arrastado pela saudade até o prédio da Rádio Farroupilha na Sete
de Setembro. Ilusão. Ele já não existe. O que sobrou foram lembranças
esmaecidas pelo tempo: aqueles rostos, aquelas vozes que os microfones levavam
para todo o Rio Grande, a vida, o amor e a morte nas novelas, os auditórios lotados,
o Repórter Esso, as orquestras de Karl Faust e Salvador Campanella. Mas, tudo
isso vai contigo, Hugo. E só me restará o pó do passado, porque não tenho mais
com quem dividir as saudades.
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