terça-feira, 7 de julho de 2015

CRÔNICA PARA SUBSTITUIR UM ABRAÇO

João Eichbaum

A vida te despediu, Hugo Cassel. A vida te despediu, como despede a todo mundo, sem direito a indenização, nem à recondução, algumas vezes com, outras vezes sem aviso prévio. A alguns despede sem dores, mas a outros impõe angústia, sofrimento, agonia. Assim como se livra dos insatisfeitos, manda embora também os que estão de bem com ela. Não tem critérios.

Tu foste um desses: estavas de bem com a vida, não havia motivos para que ela te despedisse. Cometeu essa injustiça contigo e isso me fez muito mal. Ela não permitiu que eu te desse um último abraço e que, nesse abraço, te confessasse dois sentimentos antagônicos: minha inveja e minha gratidão para contigo.

A inveja me bateu, quando te vi com o quepe branco, o terno azul e o distintivo da Varig. Tu tinhas te mudado para o mundo dos meus sonhos, eras comissário de voo (“aeromoço”, naquele tempo). Varavas o Brasil inteiro, mais perto do céu de anil ou do cruzeiro do sul, enquanto eu acomodava meus calos nos tamancos, vendendo jornais na praça.

Mas, a gratidão, muito mais forte do que a inveja, veio alguns anos depois, quando me levaste para o jornalismo. Sem eira nem beira, sem tem onde cair morto, vim de Santa Maria para cursar faculdade. Superado o vestibular, me senti entregue aos desmandos do destino, porque não tinha como sobreviver. Então vieste ao meu encontro e me levaste para a Rádio Farroupilha.

Introduzido no jornalismo, tudo ficou fácil e pude escolher o que de melhor a vida oferecia. E então, a fim de cumprir o script que o destino nos reservara, cada um de nós foi para o seu lado. O labirinto da vida, porém, não foi suficiente para impedir nosso reencontro, através daquilo que sempre foi nossa cachaça: as letras. Mas, já era tarde. Era pouco o tempo de convivência que nos restava, porque a vida havia decidido te despedir, antes que te despedisses de mim.


Hoje, debaixo da sombra cinzenta da tristeza, sou arrastado pela saudade até o prédio da Rádio Farroupilha na Sete de Setembro. Ilusão. Ele já não existe. O que sobrou foram lembranças esmaecidas pelo tempo: aqueles rostos, aquelas vozes que os microfones levavam para todo o Rio Grande, a vida, o amor e a morte nas novelas, os auditórios lotados, o Repórter Esso, as orquestras de Karl Faust e Salvador Campanella. Mas, tudo isso vai contigo, Hugo. E só me restará o pó do passado, porque não tenho mais com quem dividir as saudades.

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