O SANTO E O POETA SEM NOÇÃO
O assunto parece inesgotável. A impressão que se tem
é de que o mundo nunca tinha sido apanhado na malha da comoção, como nessa foto
do menino morto, cuspido pelo mar numa praia de seixos da Turquia. Laudas e
laudas foram escritas, as imagens passaram milhares de vezes na televisão,
inundaram o Facebook, correram pelo planeta terra, mexeram com a humanidade.
A revista “Veja” desta semana traz a mesma foto, mas
de outro ângulo. É um ângulo menos chocante, no qual não se vê o soldado da
guarda- costeira, e donde se pode até extrair a ideia de que o menino, deitado,
desafia as ondas, numa brincadeira própria de sua idade.
Na revista, a foto está rodeada pelas palavras
“Deus, sendo bom, fez todas as coisas boas. De onde então vem o mal?” Abaixo
vem a resposta : “o mal (e o bem) vem do homem”. A pergunta é atribuída a Santo
Agostinho. A resposta, a um poeta polonês, Czeslaw Milosz, contemplado com o
Prêmio Nobel de Literatura.
Esse tal de Santo Agostinho foi um energúmeno, que
pintou a seu modo o Deus judaico, para uso cristão. Sua afirmação de que Deus é
bom e só fez coisas boas não fecha com a bíblia.Ali se prova que Deus não é absolutamente
bom. Sabendo que tinha criado uma criatura fraca, (ou ele não é onisciente?)
testou-a. Deu no que deu. Mas ele já sabia do resultado. Então, ele não é bom:
é sádico, porque proibiu o macaco de comer banana, sabendo de antemão que o
macaco é louco por banana.
O polonês, premiado nesse concurso literário que é
uma ação entre amigos, não fez melhor: atribuiu o mal ao homem. Ora, ora. Quem
admite a existência de Deus, necessariamente tem de admitir que ele criou o
homem. E, sendo onisciente, Deus deve saber que o homem, egoísta, é potencialmente
malvado e não põe freios nos apetites de seu ego. Até porque, não tendo outro
modelo, teve que criá-lo “à sua imagem e semelhança”: vingativo, parcial,
sádico, hematófilo, e bom só para os amigos.
Ao dar vida para o homem, sabendo de antemão que ele
sacrificará um inocente, Deus é tão culpado quanto esse homem. Ele sabia que
aquelas bestas humanas, que querem o poder na Síria, iriam provocar a morte do
menino e não impediu isso. Então, Deus é a causa primeira da maldade. Dessa
lógica, que sustenta a teoria do domínio do fato, fogem tanto o santo como o poeta.
Ou o fato imediato, que foi o naufrágio, não estaria sob o domínio de Deus?
Nenhum comentário:
Postar um comentário