terça-feira, 8 de setembro de 2015

O SANTO E O POETA SEM NOÇÃO

O assunto parece inesgotável. A impressão que se tem é de que o mundo nunca tinha sido apanhado na malha da comoção, como nessa foto do menino morto, cuspido pelo mar numa praia de seixos da Turquia. Laudas e laudas foram escritas, as imagens passaram milhares de vezes na televisão, inundaram o Facebook, correram pelo planeta terra, mexeram com a humanidade.

A revista “Veja” desta semana traz a mesma foto, mas de outro ângulo. É um ângulo menos chocante, no qual não se vê o soldado da guarda- costeira, e donde se pode até extrair a ideia de que o menino, deitado, desafia as ondas, numa brincadeira própria de sua idade.

Na revista, a foto está rodeada pelas palavras “Deus, sendo bom, fez todas as coisas boas. De onde então vem o mal?” Abaixo vem a resposta : “o mal (e o bem) vem do homem”. A pergunta é atribuída a Santo Agostinho. A resposta, a um poeta polonês, Czeslaw Milosz, contemplado com o Prêmio Nobel de Literatura.

Esse tal de Santo Agostinho foi um energúmeno, que pintou a seu modo o Deus judaico, para uso cristão. Sua afirmação de que Deus é bom e só fez coisas boas não fecha com a bíblia.Ali se prova que Deus não é absolutamente bom. Sabendo que tinha criado uma criatura fraca, (ou ele não é onisciente?) testou-a. Deu no que deu. Mas ele já sabia do resultado. Então, ele não é bom: é sádico, porque proibiu o macaco de comer banana, sabendo de antemão que o macaco é louco por banana.

O polonês, premiado nesse concurso literário que é uma ação entre amigos, não fez melhor: atribuiu o mal ao homem. Ora, ora. Quem admite a existência de Deus, necessariamente tem de admitir que ele criou o homem. E, sendo onisciente, Deus deve saber que o homem, egoísta, é potencialmente malvado e não põe freios nos apetites de seu ego. Até porque, não tendo outro modelo, teve que criá-lo “à sua imagem e semelhança”: vingativo, parcial, sádico, hematófilo, e bom só para os amigos.


Ao dar vida para o homem, sabendo de antemão que ele sacrificará um inocente, Deus é tão culpado quanto esse homem. Ele sabia que aquelas bestas humanas, que querem o poder na Síria, iriam provocar a morte do menino e não impediu isso. Então, Deus é a causa primeira da maldade. Dessa lógica, que sustenta a teoria do domínio do fato, fogem tanto o santo como o poeta. Ou o fato imediato, que foi o naufrágio, não estaria sob o domínio de Deus?

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