SEISCENTOS REAIS
João Eichbaum
Seiscentos reais foi o valor depositado pelo Estado
do Rio Grande do Sul na conta dos funcionários do Poder Executivo. Seiscentos reais
foi também o preço do ingresso para o “show” de duas figurinhas pra lá de
manjadas da música brasileira, o Caetano Veloso e Gilberto Gil.
O Auditório Araújo Viana estava cheio, lotação
esgotada. Conclusão irrecusável: nenhum dos expectadores poderia ser
funcionário público, do quadro do Poder Executivo do Estado.
Donde veio essa gente toda que lotou o ambiente?
Seiscentos reais! É pouco para os professores que ganham uma miséria, mas muito
dinheiro para encher os ouvidos com banalidades. Nem as músicas, nem os
cantores têm algo de excepcional. Em qualquer canto deste país, em qualquer
boteco é possível encontrar pessoas que cantam e tocam até melhor do que eles.
Hoje, graças à globalização, com um simples click a
tela do computador ou da televisão nos põe diante dos olhos grandes artistas
mundiais, crianças prodígios, vozes mais puras do que o som do cristal,
performances que enlevam. O que representam Caetano Veloso e Gilberto Gil em
comparação com a arte de um André Rieu, por exemplo?
São estilos diferentes, sim. Mas são também
apresentações que traçam o perfil do público. Um público que paga seiscentos reais
para ver e ouvir Gil e Caetano não passa de uma turba que se deslumbra diante
do banal, porque não sabe distinguir a voz rouquenha de cantores comuns da voz
límpida de uma soprano. Ou esse mesmo povo pagaria a décima parte para assistir
a uma ópera?
O caráter do povo é o caráter do país. O povo sem
noção de valores entrega o poder para
políticos sem valor. É por isso que esse país vive do seu direito adquirido à
miséria, à corrupção, à roubalheira, à degradação social. Começamos com os
bororós de bunda de fora e chegamos aos políticos sem vergonha na cara.
Se houvesse
respeito aos verdadeiros valores, ninguém culparia a operação “Lava Jato” pela
ruína econômica do país. Como ninguém desperdiçaria seiscentos reais num
espetáculo banal, na mesma noite em que milhares de funcionários públicos
deixaram de dormir, aturdidos pela certeza febril de que, se pagassem o aluguel, não teriam o que comer.
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