QUANDO O DIREITO
SE CONFUNDE COM A MALDADE
João Eichbaum
Não deu mais.
Depois da terceira noite de febre, a angústia os asfixiou. A filhinha de três
anos já respirava com dificuldade, mal abria os olhinhos tristes, tornava a
fechá-los, como que tomada pelo cansaço. Seu peitinho subia e descia, na luta
em busca de uma respiração que não chegava.
A léguas e
léguas de qualquer atendimento médico, sem dinheiro para consulta, para uma
eventual internação, para remédios mais caros, não sabiam o que fazer. Colonos,
vivendo da terra que plantavam com dificuldade, mal conseguiam comer e dar de
comer para duas vaquinhas, que retribuíam com o leite para lhes aplacar a fome.
Seu único
tesouro era aquela criaturinha que, de uma noite para outra, deixara de lhes
alegrar a vida. Seus olhinhos tinham se apagado, suas perninhas estavam
amolecidas, seu corpinho, enfraquecido, se entregara ao torpor da febre,
naquele hiato em que a indiferença se torna maior que a vida.
Foi então que um
vizinho se ofereceu para levá-los a Porto Alegre, na Santa Casa, onde médicos,
remédios e uma possível internação não lhes arrancariam o desespero de ter que
pagar o que não podiam. De madrugada saíram, para chegar cedo à Santa Casa, por
volta das sete da manhã. A pequena nos braços da mãe, já nem força para chorar
tinha. Só arfava.
Antes de entrarem
na Avenida da Legalidade, o choque: todo o trânsito parado. Em questão de
segundos ficaram trancados, sem poder andar um centímetro sequer. Fome, sede,
angústia, necessidades fisiológicas, tudo o que a natureza exige nas horas mais
impróprias os torturou por um tempo regido pela maldade de quem só pensa em si
mesmo.
Os responsáveis
estavam lá na frente, berrando, gritando qualquer coisa, levantando panos e bandeiras.
Eram os funcionários públicos do Estado do RS e seus cupinchas políticos, os
energúmenos sem consciência, que se lixam para a sociedade. Animais egoístas,
torturavam uma população que paga seus impostos, que precisa trabalhar, que tem
tanta necessidade de viver, como eles.
Sentindo-se
poderosos dentro do regime “democrático” que lhes garante o direito de
perturbar a ordem e impedir a liberdade de ir e vir, eles se vingavam nos mais
fracos, porque vivem num país onde as autoridades não têm moral para impedir
que uns tenham mais direitos do que outros.
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