quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ACERVOS MONSTRUOSOS DE MEMÓRIA

Janer Cristaldo

Leitora me pergunta por que não gosto de museus. Não é bem que não goste. Penso inclusive, que todo marujo de primeira viagem, deve visitá-los. Mas depois de visitados, perdem o interesse. São acervos imensos que exigem dias para serem vistos. Se você passar um dia no Louvre ou no Hermitage está longe de conhecê-los.
Quando cheguei a São Petersburgo, já estava farto de museus. Mas estava ali,diante do Palácio de Inverno dos tzares, e não entrar seria muita esnobação. Entrei. Perambulei por três horas e só consegui ver parte do setor de esculturas. De pintura, não vi nada, já estava exausto e com fome. Preferi acabar meu dia no Literaturnaya Café, que fica ali perto, na Nevsky Prospekt, e pelo menos tem vinho e boa comida.
Museus, hoje, me cansam. A pintura também. É um problema de memória. Os acervos são tamanhos que memória nenhuma os guarda. O último museu de porte que visitei foi o Thyssen-Bornemisza, em Madri. Viajava com minha filha e não o conhecia. Decidi entrar. Tinha perto de quarenta salas. Lá pela décima quinta, desisti. Não lembro de nenhum quadro que tenha visto. Como não lembro de nenhuma escultura do Hermitage. Se não consigo guardar na memória, de nada me servem os museus.
Mas tenho apreço pelos pequenos. Como o de Munch, em Oslo. O de Rodin, em Paris. E o de Sorolla, em Madri. São museus personalizados, que nos mostram a obra de um só autor. Poucas pessoas conhecem a obra de Sorolla, um magnífico aquarelista, que vale, em minha opinião, o Prado inteiro.
Já passei por quase todos os grandes museus da Europa, só no Prado tive trinta horas de aula. Quando penso em pintura, gosto de citar Fernando Pessoa e em seu ensaio intitulado Heróstrato. Se o leitor se sente um tanto inculto por não gostar de percorrer museus – escrevi há alguns anos - sugiro deter-se neste fragmento tipicamente pessoano:
"A pintura afundar-se-á. A fotografia privou-a de muito do seu atrativo. A futileza da estupidez privou-a de quase todo o resto. O que restou tem sido levado em despojo pelos colecionadores americanos. Um grande quadro significa uma coisa que um americano rico quer comprar porque outras pessoas gostariam de comprá-lo se pudessem. São assim os quadros postos em paralelo, não com poemas ou romances, mas com as primeiras edições de certos poemas ou romances. O museu torna-se uma coisa paralela, não à biblioteca, mas à biblioteca do bibliófilo. A apreciação da pintura torna-se não um paralelo à apreciação da literatura, mas à apreciação de edições. A crítica de arte cai gradativamente para as mãos dos negociantes de antigüidades".
Turista inteligente – dizia eu há pouco - é o que conhece os museus por fora e os bares por dentro. Em matéria de museus, tenho gratas lembranças de um na Alemanha, o Berlin Museum. Visitei-o bem antes da queda do Muro, na Berlim Ocidental. Pagava-se alguns marcos de ingresso e aos domingos enfrentava-se fila. Não lembro bem o que guardava - creio que trens antigos - e suponho que tampouco o lembrem suas centenas de visitantes. Mas não esqueci, nem visitante algum terá esquecido, o simpático café que ficava ao final dos corredores, onde um garçom servia um vodca com figo e pimenta, este sim, inolvidável. Os alemães, pragmáticos, haviam entendido como atrair público a um museu.
Pois... estive mês passado em Berlim, sedento pelo museu. Nada feito. Não existe mais. Assim sendo, nada de museus em Berlim. Nesta viagem, como aliás em viagens passadas, não visitei museu algum. Ou melhor, visitei. Sem querer. Nyhavn, em Copenhague, é um canal tomado por bares e restaurantes. Passei quatro ou cinco dias lá. Para acabar descobrindo que, em verdade, era um museu. Museu de antigos veleiros, ali ancorados para fazer paisagem. Tudo bem. Museu assim, eu topo.
Os museus se tornaram acervos monstruosos de memória, que memória nenhuma abarca. Melhor os bares.

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