quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DE PRIMATAS FILÓSOFOS

João Eichbaum


Foi assistindo futebol que firmei as idéias de Charles Darwin como dogmas, passando a ter certeza de que o homem é irmão do chimpanzé e do bonobo.
Nas arquibancadas, nas sociais, onde quer que esteja, assistindo futebol, o ser humano exibe o seu nada refinado comportamento de macaco. O exibicionismo dos símios nos zoológicos não perde para o dos homens, nos estádios de futebol.
Olha só. Mal aparece um afrodescedentão com sua vasta cabeleira trançada, fazendo despencar cachos por todos os lados, ou a careca luzidia respondendo aos raios do sol, a multidão delira, ergue os braços, uiva, berra, bate palmas, sem pronunciar uma palavra. Age como se não tivesse uma linguagem de consoantes, vogais e vasto vocabulário. Age como se os gestos e os urros fossem seu único meio de comunicação.
Logo em seguida, o afrodescedentão esse se abaixa, toca os dedos no chão e se persigna. Persignar-se é fazer o sinal da cruz, manja? Aquilo de um toque na testa, outro no peito, e um em cada ombro, gestos que formam uma cruz.
Atrás dele vem o time todo, no qual se sobressaem os afrodescedentões.
Os uivos continuam, a histeria toma conta da multidão.
Lá no meio de campo está o juiz, acompanhado dos bandeirinhas. Depois vem o hino nacional, todos perfilados, alguns dos jogadores balbuciam qualquer coisa que se assemelha a um amontoado de vogais e consoantes.
Então, pronto o hino, cada time vai para o seu campo, e aí é a vez do juiz se persignar.
O jogo começa, os uivos e berros continuam, os gestos, as mãos à cabeça, a “hola, hola” a gritaria infernal e a única palavra realmente pronunciada é filho da puta. Ou ladrão.
Assim, todo o tempo: uivos, pulos, coreografia animal, impulsionada pela raiva, pelo desgosto, ou pela alegria desusada que o gol desata.
Não tem nome, nem determinação, nem finalidade a emoção animalesca que o futebol produz. Não serve para nada no contexto social, não ajuda a subsistência, não contribui para a vida eterna.
Fora das “quatro linhas” o fenômeno social assume proporções irracionais. Os afrodescendentões e os poucos brancos que atingem o estrelato se transformam em ídolos, são idolatrados, incensados pela imprensa, considerados heróis. Por razões que nenhuma razão explica são remunerados com salários que muitos reis sonharam, mas não conseguiram, e muitos doutores jamais chegarão lá.
Mas muitos dos que os aplaudem e os idolatram sobrevivem com menos de um salário mínimo.
Uma única coisa se conclui de tudo isso: o futebol é a prova mais concreta de que o homem é um macaco. Não leva a qualquer patamar de dignidade: mantém o primata no seu nível puramente animal.
Essa emoção sem nome, indeterminada, sem objetivos, irracional, enriquece alguns e sustenta, materialmente muitos. Talvez seja a única razão pela qual é tolerada pelos poucos que ainda pensam, esquecendo sua natureza simiesca. É uma alavanca social que gera riqueza, à custa de sentimentos.
Os que vencem, erguem as mãos para o alto, agradecendo a um Deus qualquer. Os que perdem, culpam o juiz.
Sob o peso dessa realidade, questões filosóficas que indagam o sentido da vida, ou propõem a imanência da dignidade no ser humano, não passam de conversa mole pra boi dormir.
E a gente, que é macaco, perde o sono, sofrendo pelo Inter, né?

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