João Eichbaum
Na sua autobiografia, o padre José Joaquim Pillon, embora relate as circunstâncias marcantes de sua vida, na qual muitas pessoas tomaram parte, só refere o nome de algumas delas. Não menciona, por exemplo, o nome do bispo que o ordenou, apesar de descrever a cerimônia de ordenação e a própria pessoa do bispo. De um superior provincial, por quem não demonstra muita simpatia, apenas refere um nome: Tronco.
Mas há dois nomes que ele não só menciona, como refere muitas vezes: o de sua paixão, Glorinha, e o da mãe dela, uma rica fazendeira chamada Dorinha.
O que é a paixão, né!
Nos capítulos em que descreve essa paixão, o padre se desdobra, faz poesia, se desnuda, como qualquer ser humano, exibe as fraquezas. E confessa que tinha trinta e cinco anos, quando se apaixonou por sua aluna de filosofia, a Glorinha, que só tinha vinte e seis
Olha, 35 anos, não é propriamente uma idade para se apaixonar. A gente se apaixona na adolescência, comete poesia, enche de penas o coração, ameaça cortar os pulsos, sofre delírios febris, etc. Aos 35, a gente se amarra numa paixão porque se entrega a uma crise, certamente em razão do fim de uma outra paixão, a paixão que veio no tempo certo e que nos levou para o cartório, para o altar, ou pura e simplesmente para a mesma cama, com direito a pendurar duas escovas de dentes no mesmo armário, e depois morreu.
Homem nenhum vive até os 35 anos sem alguma ou algumas paixões. É até muito mais fácil se apaixonar e se desapaixonar com freqüência. O único amor é o único até que surja outro. Ninguém é de ferro.
Mas, no caso do padre, como ele mesmo reconhece, o furor dessa paixão se deve às paixões reprimidas no tempo certo, que é a adolescência, durante a qual ele tinha seus instintos de reprodução desviados para “amor” da Virgem Maria, das santas, da Igreja, para o heroísmo clerical! E, como também confessa, a única vez que ouviu alguma coisa sobre sexualidade foi numa palestra proferida por uma – pasmem! – freira!
Bom, com essa virgindade, digamos assim, moral, o padre foi pego de surpresa pela inegável sedução da Glorinha que, alcovitada pela mãe, dona Dorinha, prometia todo o patrimônio da família, para o padre, em troca de sua virgindade masculina, como dever epitalâmico.
O romance parou por aí mesmo, porque, a seguir, diz o padre que foi para a Europa estudar e, enquanto descreve suas experiências na Europa, não menciona o nome de sua paixão, dando a impressão de havê-la esquecido ou sufocado.
Não sei até onde vai a sinceridade do padre, porque uma paixão, principalmente a primeira, a gente não esquece assim tão facilmente. E todo mundo sabe que só outra paixão é capaz de matar aquela que nos maltratava. Tudo leva a crer que o padre teve outra ou outras paixões, sonegando-as ao conhecimento dos leitores.
Mas é possível também que a paixão pela Glorinha tenha sido a primeira paixão correspondida. Aí já é outra história. A paixão correspondida é sempre bem condimentada. Não é uma coisa sem sal como o amor platônico, que se esvai aos poucos, se esfumaça, se perde na névoa de outros amores e passa a existir depois como uma vaga lembrança apenas.
Uma coisa, em todo o caso, é certa: o amor semeia tantos truques pela vida afora, que ninguém escapa dele. Nem que tenha que fugir para a Europa.
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