segunda-feira, 7 de maio de 2012

DESSAS INJUSTIÇAS NINGUÉM FALA




João Eichbaum

Ela levanta, de segunda a sexta, todos os dias, às quatro da manhã. Seja frio, seja quente, chova ou esteja o sol se preparando no horizonte, com as ventanias doidas que trazem tempestade ou com o minuano gélido que chicoteia as orelhas, ela levanta às quatro.
Àquela hora, o bairro mais triste de Canoas, o Guajuviras, está mergulhado no silêncio, que só é arranhado pela tosse dos trabalhadores que, como ela, têm de sair de madrugada, para trabalhar em Porto Alegre.
Então ela toma o ônibus que vai, aos poucos, se tornando pequeno, as pessoas se empurrando, se roçando umas nas outras. O coletivo faz voltas e mais voltas, arrebanha passageiros em vários bairros, joga o povo de um lado  para outro, como os caminhões de gado, e o deixa, finalmente, na estação Mathias Velho do trem suburbano, depois de quase uma hora circulando.
Ali, o aperto se repete, as pessoas voltam a se roçar umas nas outras, os rostos fechados, sem sorrisos, todos com cara de sono, balançando ao ritmo do trem que dança sobre os trilhos.
Às sete horas ela desembarca na estação central do Mercado e pega mais um ônibus, que a deixa, finalmente, na frente do suntuoso prédio do Ministério Público.
Ali, no meio daquele luxo, daquelas salas bem equipadas, com computadores, ar condicionado central, mesas e cadeiras modernas, ela começa o seu trabalho, varrendo, passando pano no chão, esfregando os vasos dos banheiros, por onde passaram as bundas do Ministério Público, carregando os papéis onde se encontram as marcas dos detritos desse mesmo Ministério Público, que é uno e indivisível e agora também ubíquo.
No fim da tarde, a viagem de regresso, depois de um dia inteiro trabalhando de pé: os ônibus e o trem cheios, as pessoas se roçando umas nas outras, tendo que aguentar a fedentina de quem ralou, trabalhou com sujeira, pó e detritos humanos, como os do Ministério Público, por exemplo.
Já é noite, quando ela chega no seu tugúrio de um quarto, sem reboco, coberto com pedaços de telhas, um corredor apertado que serve de cozinha ao mesmo tempo, e leva para um banheiro sem porta com um vaso sem tampa e sem caixa de descarga, mas com um baldezinho de prontidão, para juntar água da torneira, a fim de mandar embora o que não presta.
Estou falando nela hoje, depois de ler a notícia de que o filho do Eike Batista teve sua Ferrari apreendida, e me lembrando também de um casamento para o qual fui convidado ontem, me deslumbrando com uma das noivas mais belas do mundo, enquanto ouvia o padre proclamar: “Deus é muito generoso...”



Um comentário:

Gigi disse...

Barbaridade, a pimenta ficou para o final. Até aí eu estava vendo uma crõnica social impressionante, repartida entre os de baixo e os daquele prédio de luxo. Quando não esperava mais nada, veio o solavanco, maior do que dos ônibus nas ruas da periferia. Gigi