quarta-feira, 31 de outubro de 2012


A VIÚVA QUE VIU
O CONGRESSO NU
 

Janer Cristaldo
- Considera-se que pelo menos uma centena de deputados foram comprados. É um punhado considerável de prostitutas, capaz de virar qualquer votação. Pergunta que nenhum jornal ainda fez: voto comprado vale? Venalidade pode criar legislação? Pode derrubar cláusulas pétreas e extinguir direitos adquiridos? Se cassados estes deputados, não seria o caso de cassar também seus votos passados?

Isto eu me perguntava em julho de 2005, após a compra por atacado de parlamentares pelo PT, para empurrar à nação toda a reforma da Previdência, ainda que para isso fosse necessário rasgar a Constituição. Abaixo, segue crônica de agosto de 2004, onde eu manifestava meu espanto ante a nonchalance com que se rasga uma Constituição no Brasil. A Carta Magna foi rasgada, rasgada ficou e mais não se falou no assunto.
Que me lembre, ninguém cogitou destas questões na época. Hoje, passados sete anos, as perguntas começam a surgir na imprensa. Segundo a Veja, o ministro Celso de Mello “tem mencionado durante o julgamento um tema que permeia discussões reservadas entre os integrantes do tribunal: a validade de projetos aprovados pelo Congresso Nacional em votações que a Justiça ratificou terem sido feitas mediante pagamentos a parlamentares”.

Segundo o ministro, o caso deve ser enfrentado pelo Supremo na esteira do julgamento do mensalão. Ele compara a validade das reformas aprovadas, como a da Previdência Social, à legalidade de sentenças proferidas por juízes que tenham recebido propina. “É o mesmo que ocorre com um juiz corrupto, no qual suas sentenças podem ser anuladas mesmo que estejam em trânsito julgado”, disse. 
Por nove anos, a nação conviveu serenamente com a decisão inconstitucional de um Congresso comprado a peso de ouro pelo governo. Nenhum dos ditos defensores dos direitos humanos, ou simplesmente do Estado de direito, impetrou ação de inconstitucionalidade. A nenhum aposentado ou pensionista ocorreu denunciar a Emenda 41 como inepta. Foi como se comprar deputados para aprovar leis de interesse do governo fosse a coisa mais normal do mundo.

De repente, não mais que de repente, nove anos depois, ministros do mesmo tribunal que validou a compra de votos descobrem – ó perspicácia! – que o Congresso foi comprado. Mas estes mesmos ministros que declararam comprovada a compra de votos, notadamente na Reforma Previdenciária, já afirmaram cautelosamente, em alto e bom som, que isto não implica a anulação da reforma da previdência, pois já surtiu efeitos.

O que é uma grossa bobagem. Pois se o STF tem poderes para fazer os mensaleiros devolverem o que roubaram da nação, o STF tem também poderes para fazer o Estado devolver o que roubou dos aposentados e pensionistas. 
Ainda há pouco me fiz uma outra pergunta: e se alguma velhota prejudicada com a tunga de sua aposentadoria entrar com uma ação, alegando que voto comprado não pode gerar lei? Não deu outra. Uma viúva do interior de Minas exige receber o valor integral da pensão que o marido recebia quando estava vivo, de R$ 4.801. O valor atualmente pago pelo Instituto de Previdência dos Servidores de Minas Gerais (Ipsemg) à mulher foi reduzido para R$ 2.575,71 com a entrada em vigor da Emenda 41, em 2003. É o que leio no Estadão.

O juiz mineiro Geraldo Claret de Arantes deu ganho de causa à viúva. Em entrevista ao jornal, disse que o próprio STF já havia afirmado que a Emenda 41 foi aprovada "sob influência da compra de votos", e que o relator Joaquim Barbosa faz "relação clara da votação com a entrega de dinheiro. Esta reforma está maculada definitivamente pela compra de votos, não representou a vontade popular. Ela padece do vício do decoro parlamentar", reitera o juiz. 

Que se disse surpreso com a repercussão de sua decisão, que considera taxativamente de inconstitucional, a Reforma da Previdência. "Essa reforma foi a mais violenta de todas na expropriação de direitos. Ela viola a cláusula pétrea da Constituição do direito adquirido. A pensão não é uma benesse, é o ressarcimento do que o cidadão pagou a vida inteira. Não pode o governo chegar no meio do jogo e mudar a regra, dizendo que ele vai receber a metade".
O juiz Claret cita Maquiavel para condenar o argumento oficial de que a Previdência está falida: "Esse é um argumento da Idade Média. Quer dizer que, quando o interesse do príncipe for maior que o interesse do povo, prevalece o interesse do príncipe? Então querem tomar R$ 2 mil da viúva lá do interior para salvar a sétima economia do mundo?". E recorre a Padre Vieira para dizer que está com a consciência tranquila de que tomou a decisão certa. "O pior dos pecados é a omissão". 

A decisão do juiz mineiro põe em xeque o STF. E acusa todo o Judiciário que, de 2003 para cá, conviveu serenamente com um ordenamento jurídico inconstitucional.

Ainda segundo o Estadão, para o presidente da OAB-MG, Luis Cláudio Chaves, a tese do juiz tem fundamento e pode abrir precedente para mais ações nesse sentido. "O fundamento dele é interessante, amparado numa compra de votos que influenciou a vontade parlamentar. Se ficar provado que o processo legislativo sofreu uma influência por conta da compra de voto de parlamentares, ele pode ser considerado nulo", disse Chaves.
Provado já está, ou os mensaleiros não seriam condenados, como estão sendo. A viúva mineira viu a nudez do Congresso. E teve a ventura de encontrar um juiz que não é míope. Quando esta sentença chegar ao Supremo, qual será a atitude dos ministros? Continuarão afirmando que isto não implica a anulação da reforma da previdência, pois já surtiu efeitos?

Se assim for, está legitimada a compra do Congresso e não se entende por que estão sendo julgados Zé Dirceu, Genoíno, Delúbio, Marcos Valério et caterva. Se assim for, estes ilustres vultos da pátria são realmente vítimas da imprensa golpista e do ressentimento de um ministro que, além de negro, é mal-agradecido.

terça-feira, 30 de outubro de 2012


DE FLATOS E PERDIGOTOS

João Eichbaum

Uma dos melhores artigos que já li, na minha vida, sobre o Supremo Tribunal Federal, foi o de Roberto Pompeu de Toledo na VEJA desta semana: “Data Venia”.
Ele faz uma paródia, com direito ao latim, do diálogo entre os ministros, durante a merenda, ou como gostam de dizer alguns importadores de americanismos, durante o “coffeebreak”, no meio da tarde.
É bem assim. Os ministros, por algum tempo, perdem o rumo do Direito, se esquecem da pompa, do processo, dos debates, da erudição e da vaidade, e passam a gozar das boas coisas da vida. Entregam-se de corpo e alma ao pecado capital da gula.
E se refestelam. Atracam-se nas acepipes que nós, contribuintes, pagamos. Tomam chá, café, refrigerantes, comem docinhos e salgados, empadinhas, pastéis, negrinhos, como se faz numa festa de aniversário de criança. Só que a festa deles é todos os dias, nas sessões das turmas ou do Tribunal Pleno.
Mas, prestem bem a atenção. Primeiro eles ficam sentados, debatendo, discutindo, ou tirando a sesta durante a sessão. Depois, caem de boca nas guloseimas, ficam contando anedotas, tratam de assuntos variados e só não falam da bunda das mulheres, nem ficam trovando sobre suas aventuras sexuais, por respeito à Carmen Lúcia e à Rosa Weber, que embora saibam tudo de sexo, desde a ”sucosa ars ligurindi” ao “coitus analis”, são tratadas como virgens.
Ali, na hora do recreio, passam mais de uma hora. E sabem para quê? A fim de darem tempo para uma fugida até o banheiro, proporcionando a saída de flatos e perdigotos, depois de toda aquela comilança.
É assim que funciona. E às vezes, nem funciona. Com tanta gente no plenário, ministros, funcionários, advogados, estudantes de direito e curiosos em geral, ninguém vai saber quem é que largou aquele pum fedorento.
Então, de pum em pum, porque os perdigotos são transformados em pum, eles vão decidindo sobre a vida das pessoas, arrotando sabedoria em Direito quando, na verdade, o arroto provocado pela coca-cola foi transformado em flatulência que se esvai por debaixo da toga.
É desse jeito, meus amigos, é entre flatos e perdigotos que se decide sobre a liberdade do ser humano. Quer dizer, é assim que os símios humanos decidem sobre a vida de seus semelhantes: com a cabeça cheia de conhecimentos jurídicos e frases decoradas em latim, e a barriga abarrotada de gazes.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012


AS COTAS DO STF
João Eichbaum

Não sei onde, nem como o Fernando Henrique Cardoso, que volta e meia pulava o muro, enganando a coitada da falecida dona Ruth, foi conhecer a Ellen.
O que sei é que a Ellen foi a primeira mulher escolhida para botar a toga de ministra do Supremo Tribunal Federal. Livre, desimpedida e charmosa, falando bem o inglês por ter morado nos Estados Unidos, é claro que ela podia ter bons diálogos, em qualquer circunstância dessa boa vida dos políticos, com o Fernando Henrique, que também fala inglês.
Lá pelas tantas o Fernando Henrique falou para seus botões e para toda a turma que o rodeava: dessa vez vou botar uma mulher no supremo. Bom, é melhor eu escreve Supremo com letras maiúscula, senão vocês vão pensar outra coisa. E com todo o direito.
É claro que ele já tinha o nome da Ellen na cabeça (de cima).
“Vez das mulheres”. Quer dizer: a primeira condição era o sexo. Essa história de “conduta ilibada” e “notório saber jurídico” a gente vê depois.
Estava criada a primeira cota no Supremo: a das mulheres.
Depois veio o Lula e criou outra cota: a dos negros. Candidato era o que não faltava, claro. A questão toda era o apadrinhamento. O candidato que tivesse o padrinho mais forte seria o escolhido. Um amigo meu, que tinha como padrinho o ex-metalúrgico Paulo Paim, figurava entre os possíveis escolhidos. Mas foi preterido porque alguns desembargadores gaúchos brancos, despeitados com a possível escolha do colega, levaram aos ouvidos do Lula a seguinte história: o “colored” tinha traçado uma escrivã, loira, namorada de um advogado, no interior do Estado, criando o maior furdunço da comarca.
Quem levou o troféu de toga de ministro foi o afilhado do frei Beto, depois de ser desconsiderado o boletim de ocorrência em que o dito afilhado, Joaquim Barbosa, era acusado de bater na mulher.
Agora, a Dilma inventou outra cota: a dos companheiros de luta armada contra o regime militar. Um mineiro, Gilberto Vasconcelos, de 35 anos, será o próximo bem-vindo ao tribunal das cotas, por carregar no currículo a circunstância de ser fruto de um espermatozóide bem sucedido de Carlos Alberto Freitas,  “Beto”, antigo companheiro da atual Presidente da República no grupo VAR-Palmares.
Freitas nada tem a ver com Vasconcelos, mas óvulo é óvulo e espermatozóide é espermatozóide. E já que as cotas das mulheres e dos negros não deram certo para o PT, quem sabe agora chegou a vez.
 Ainda mais que o próximo espetáculo já anunciado é o do “mensalão” do PSDB.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012


O DESTEMPERO NO BIG BROTHER DO JUDICIÁRIO

João Eichbaum

O Joaquim Barbosa, que confunde desaforos com argumentos, não tem preparo, não tem postura de juiz. Ignora os deveres de urbanidade, que lhe são impostos pelo artigo 35, inc. IV da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a LOMAN. Seu destempero e seu semblante raivoso, por onde só passam sorrisos irônicos, deixam vazar a falta de serenidade, outro dever imposto pela LOMAN, no mesmo artigo 35, inciso I. Seu modo de se dirigir aos colegas, notadamente em relação a Ricardo Lewandowski, passa a incalculável distância da “conduta irrepreensível”, ordenada pelo inciso VIII daquele dispositivo legal. Tanto que tirou da paciência o presidente, Ayres Brito, obrigando-o à repreensão pública, quando Barbosa, debochadamente, perguntou a Lewandowski se esse estava agindo como “advogado” dos réus. “Aqui todos somos juízes, ministro Barbosa, ninguém é advogado” – interveio o presidente, com indisfarçável irritação.
Não há como fugir à comparação com o BBB.
Enclausurados, obrigados à convivência com seus iguais durante várias horas, alguns animais bípedes sucumbem aos apelos da própria natureza e começam a se despir da hipocrisia a que estão atrelados pelas normas do convívio social. São obrigados a chamar o colega de Vossa Excelência, quando, na realidade, gostariam de chamá-lo da “fiadaputa”. São obrigados a manter distância dos sentimentos, mas acabam se apaixonando pela causa.
Celso de Mello é dono de prodigiosa memória, qualidade que lhe empresta o equivocado rótulo de excelso “jurista”. Incensado no mundo jurídico, exibe uma fraqueza, que não o recomenda para o sacerdócio da magistratura: a vaidade. E por essa vaidade foi impedido de cumprir também o inciso IV do já mencionado artigo 35 da LOMAN: tratar com urbanidade as partes. Ao invés de um silogismo condenatório, construiu uma diatribe vulcânica, expelindo lavas de adjetivos ardentes para atingir os réus, (partes do processo) quando lhe coube o voto sobre o crime de formação de quadrilha: “Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos à dignidade do ofício legislativo e à respeitabilidade do Congresso, alimentados por transações obscuras, idealizadas e implementadas em altas esferas, devem ser condenados e punidos com peso e o rigor da lei. Esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana entre corruptos e corruptores, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores e corruptos, verdadeiros marginais do Poder.”
Isso não é linguagem de juiz. Isso é linguagem de demagogo em palanque eleitoral. A linguagem do juiz deve ser pautada pela “serenidade e pela exatidão”, como determina o inc. I, do artigo 35 da LOMAN. E toda a linguagem serena e exata, calibrada com argumentos, dispensa adjetivos.
O destempero de Barbosa no comportamento, e o de Celso Mello na linguagem combinam muito bem com esse espetáculo de “big brother” montado pelo Judiciário, alimentando o descrédito e o desrespeito para com a Instituição.
Mas, para terminar, só uma perguntinha ao “excelso jurista” Celso de Mello: “agentes corruptores e corruptos”, esses “marginais do Poder”, seriam capazes de produzir gestos “fieis e dignos”?

quinta-feira, 25 de outubro de 2012


E DEUS CRIOU SEU BIG BROTHER

João Eichbaum

A eternidade era uma chatice, uma mesmice de dar dó: nada por fazer, nada acontecendo, e Ele nem saco tinha pra coçar.
Então lhe ocorreu a ideia de fazer o homem. Pegou o barro, amassou, saiu um boneco parecido com Ele, quer dizer à sua imagem e semelhança. Botou o boneco no paraíso, pra ver o que acontecia, mas continuou a mesma coisa: não acontecia porra nenhuma. O Adão tava lá, peladão, pinto mole, nada por fazer, ganhando tudo pronto, era só levantar a mão, pegar a fruta e continuar aquela vidinha sem sentido.
Para mudar o quadro, então, Ele fez o Adão dormir, tirou uma costela do cara, e quando o Adão acordou tinha um mulherão do lado, a Eva. Mas, como ainda não tinham a ciência do bem e do mal, principalmente do bem, um não sabia o que fazer com o outro, continuou a mesma rotina.
Tudo teria ficado por isso mesmo, a humanidade teria parado por ali, se não fosse a serpente, que tava louca pra ver o circo pegar fogo.  E foi ter uma conversinha de comadre com a Eva: “olha, aquela fruta lá, prova só, ela vai abrir os olhos de vocês, vai mostrar o que Deus não queria que vocês soubessem.”
Não é preciso dizer que a primeira coisa que Adão e Eva descobriram foi a concupiscência, quer dizer, tesão, ou seja, começaram a saber o que era bom, ignorando, porém, que, do outro lado, Deus estava criando o maior mal,  o paredão.
Bem, o resto da história vocês já sabem, o mundo encheu de gente só por causa da concupiscência ordenada por Deus, “crescei e multiplicai-vos”. Ele até chegou a se arrepender, mandou o dilúvio, destruiu tudo, mas deixou o Noé e mulher dele a salvo e com tesão.
Agora estamos aí, nesse big brother a que só Deus assiste: todo mundo comendo todo mundo, mulher tirando o marido da outra, marido tirando a mulher do outro, homem declamando salmos, mulheres soltando grunhidos de prazer pra toda a vizinhança ouvir, vinganças, traições, novelas da Globo fazendo parar o país, guerras santas e diabólicas, assassinatos,  queda das bolsas,  crise Européia,  corrupção no Brasil,  pedofilia,  muçulmanos ensandecidos, o Papa tentando botar panos quentes, a Angelina Jolie provocando mais tesão, os ricos ficando mais ricos, os pobres se phudendo, gente pedindo sobra de comida, revirando nos lixos, dormindo ao relento, morando debaixo de pontes, sem falar nas filas dos SUS e no palco das bolinagens, o transporte coletivo lotado.
E Ele lá em cima, olhando tudo e mandando gente pro paredão a torto e a direito, sem sentença transitada em julgado. É só Ele que escolhe, e não tem critério. Quando a gente menos espera, ó, puff, lá foi o fulano, o beltrano, coitado tão bonzinho que era. Ele agora tá cozinhando o Fidel Castro, já ameaçou mandar pro paredão o Lula e a Dilma, mas foi só pra fazer charme.
Na semana passada mandou pro paredão a maior musa dos velhinhos de hoje, a Sylvia Kristel, nossa inesquecível Emmanuele. Sem critério mesmo.
Já ouvi falar de gente que foi pro paredão transando, de gente que foi pro paredão dormindo, de gente que foi pro paredão escondido no guarda-roupa da vizinha, de gente que foi pro paredão se masturbando. E agora, só faltava essa: no domingo passado um padre foi pro paredão rezando missa.
Tudo na maior falta de critério. E a gente fazendo papel de bobo nesse big brother onde, mesmo ganhando fama e milhões, é impossível escapar do paredão.



quarta-feira, 24 de outubro de 2012


NÃO PERCA TEMPO
ESTUDANDO LÍNGUAS
 

Janer Cristaldo

Boa parte de minha vida, eu a dediquei ao estudo de línguas. No ginásio, latim, francês e inglês. Mais tarde, russo e alemão. Russo, porque a Patrice Lumumba oferecia bolsas, e bolsa eu topava acho que até em Uganda. Além disso, não me desagradava a idéia de ler Kuprin e Dostoievski no original. Felizmente não a consegui. Pelos relatos que li de quem andou por Moscou, sinto que não perdi nada. Isto é, perdi o conhecimento de uma língua. Mas o preço a pagar era muito alto. 

De minhas aulas de russo, guardo a boa lembrança do professor Sergei Zukof, um admirável jovem de 94 anos. De minhas aulas de russo, restaram-me algumas palavras e o domínio do cirílico. Pode parecer pouco, mas este conhecimento me foi muito útil para ler mapas, nomes de rua e de metrôs quando andei por São Petersburgo. 

Mergulhei mais tarde no alemão. Foi na época em que me fascinei por Nietzsche. Além de Nietzsche, havia sempre a idéia de bolsa. Fiz dois anos de Goethe, preparei um programa de estudos sobre a obra do alemão e me candidatei a um doutorado na Alemanha. Santa ilusão minha. A Alemanha vivia seus dias de Guerra Fria e nada queria a ver com Nietzsche, tido como um dos inspiradores do nazismo. Quando vi minha bolsa batendo asinhas, voltei a estudar francês. Sobrou um alemão que dá pra conversar com garçons. O que já é bom.

Desta vez na Aliança Francesa, de Porto Alegre, com o saudoso professor Roche. Nascido na Alexandria, inclusive escreveu um livro pouco conhecido sobre os problemas do Oriente Médio, A Alternativa do Khamsin. O que me fascinava no professor Roche é que ele nada queria saber com língua e gramática. Bastava a gente puxar pelo assunto e ele discorria prazerosamente sobre a História e histórias do Egito e do Oriente Médio. Soube que mais tarde ele se desentendeu com o governo francês e teve de abandonar a Aliança. Porto Alegre perdeu um de seus grandes professores.

Espanhol, apesar de ter traduzido cerca de quinze livros, nunca estudei. Estava na infância e no sangue. Por estranhos caprichos da vida, acabei estudando sueco. Foram seis horas diárias de estudo, por pelo menos oito meses. Acabei adquirindo um bom domínio da língua e inclusive traduzi três grandes momentos da literatura dos Sveas: Karin Boye, Maria Gripe e Olof Johannesson. Hoje, perdi meu sueco. Nada mais triste do que perder uma língua. Em minha última viagem a Estocolmo, descobri que conseguia me fazer entender em sueco. O problema é que quase nada entendia quando me respondiam. Ainda consigo ler os tablóides suecos, e só.

São poucas, as línguas que conheço. Mas são janelas pelas quais consigo ver melhor o mundo. Consigo arranhar o norueguês, dinamarquês, catalão e galego. E grego. Há uma frase universal em grego que serve para a maior parte das peripécias pelas quais passa o viajante: akoma ena potirakis, parakalô. Mais um copinho, por favor. Com essa frase, você faz o continente e as ilhas. Quanto ao ladino, me sinto em casa.

De repente, acabo de descobrir que perdi um tempo precioso estudando estas línguas todas. Recentemente, um leitor enviou-me Uma réstia de luz, obra póstuma de Dostoievski, psicografado por sua sogra, Esther Pinheiro Wollmann. Agradeci o presente e cumprimentei sua sogra por dominar o russo.

- Não, ela não conhece russo.
Não entendi. Que me constasse, Dostoievski não escrevia em português.
- Chegou assim, direto, em português. Agora ela está psicografando uma obra de Byron.
Ela conhece inglês?
- Não. Mas chega direto. Em português.

NOTA DE DOSTOIEVSKI PARA A MÉDIUM:

Oh! Minha irmã, quantos conflitos! Quantas lutas travadas intimamente! Dúvidas compreensíveis se fizeram em coração, eu sei disso.
- Dostoievski? Como poderei psicografar? Se nem sei escrever esses nomes complicados que eles usam!
Todavia conseguimos! Uma grande piedade envolvia meu coração ao constatar sua angústia nos dias de trabalho; muitas vezes temi sua desistência! Porém fui insistente, incentivado por meus mentores.
Valeu a pena! Grande também foi minha luta! Nosso convívio espiritual, durante todo esse tempo decorrido, fez de mim um afeiçoado seu que, agradecido, se despede rogando a Deus pela sua felicidade.

Fyodor Dostoievski
21-06-1990
 

De repente, passei a não entender como há quem pague caríssimo por cursos de línguas. Não perca tempo, leitor, com os Goethes, Berlitz, Yazigis e Alianças Francesas da vida. Adira ao espiritismo e traduza de todas as línguas.

Se eu deixasse de preconceitos e abraçasse a doutrina de Kardec, não só teria lido Nietzsche e Dostoievski no original, como talvez os tivesse traduzido. Assim direto. Os professores de línguas - como também os que estudam línguas - estão perdendo tempo e dinheiro. Torne-se médium. É o caminho mais curto para ser poliglota e cosmopolita.

Melhor ainda, você terá acesso a óbras póstumas de autores clássicos.


terça-feira, 23 de outubro de 2012


CHANCHADA JUDICIÁRIA

João Eichbaum

Os ministros do Supremo Tribunal Federal estão nus. Depois dessa exposição pública a que foram submetidos, eles não têm o que esconder. Todos se revelaram. Postos à prova, rodaram no quesito “interpretação de texto”.
Nem os que condenaram, nem os que absolveram os réus pelo delito de “formação de quadrilha” souberam definir a conduta penal a partir das provas reunidas nos autos.
Os votos absolutórios tinham alguma ideia a respeito, mas não a souberam definir com precisão, não encontraram palavras que traduzissem fielmente o pensamento que perseguiam.
Os votos condenatórios tergiversaram, se puseram a rodear, a rodear, citaram doutrinadores, citaram jurisprudência, cataram elementos que não integram, por si mesmos, o comportamento criminoso, como a “permanência” e a “estabilidade”, a convenção de Palermo, a paz pública... Por uma simples razão: não encontraram os elementos configuradores dentro dos autos. A indigente dialética do Luix Fux o leva a dizer asneiras, promovendo o “modus operandi” dos crimes praticados pelos “quadrilheiros” à condição de elemento constitutivo do delito de formação de quadrilha: “nunca vi co-autoria durar dois anos...” O Ayres Brito faz dos autos um folhetim barato, onde descarrega seus arroubos poéticos. A erudição inútil de Celso de Mello não lhe permite entrar nos autos. Ele prefere o discurso forte, a descompostura dialética e a convenção de Palermo às lições primárias sobre tipicidade.
Vocês querem ver como “permanência” e “estabilidade” não fazem parte da ideia nuclear desse delito?
Aqui vai um exemplo. Quatro pessoas se reúnem especificamente para planejar a explosão de caixas eletrônicos de bancos. Como não dispõem de explosivos, decidem primeiro roubar a dinamite, digamos. Invadem um depósito de explosivos, matam um vigilante, roubam a dinamite. Na noite seguinte, com os explosivos já preparados, se dirigem a uma agência bancária, explodem-na e levam o dinheiro. Depois, cada um toma o seu rumo, nunca mais se encontram.
Se os ministros do Supremo fossem julgar, eles teriam que absolver os criminosos do delito de formação de quadrilha, porque o bando se dissolvera  em menos de 48 horas, ou seja, sem “permanência” e sem “estabilidade”.
Outro exemplo. A polícia, depois de uma campana de vários dias, observando um grupo que se reúne numa casa, munida de mandado judicial entra na casa, encontra o grupo reunido (mais de três pessoas) com um mapa de um depósito de explosivos e de um estabelecimento bancário, uma relação de pessoas ricas com os respectivos endereços, tudo sobre a mesa, todos armados. Presos em flagrante, confessam a formação da quadrilha.
Pergunta: onde a “permanência”, a “estabilidade”, o dano causado à “paz social”? Ah, sim, e para que serviu, no caso, a convenção de Palermo?
A frase construída pelo legislador é muito simples: “associarem-se... para cometer crimes”. Está tudo dito: o crime de formação de quadrilha nada mais é do que um “contrato social” com finalidade criminosa. É por isso que ele tem vida própria como crime, e existirá, mesmo que a “entidade” não tenha cometido qualquer outro crime. O que conta nele é o elemento subjetivo, que se espalha entre a “associação” e a “finalidade”. Nada mais. Só isso. Se a “associação” for objeto do acaso, ou necessidade do “modus operandi”, sem a intenção específica de criar uma sociedade criminosa, o crime de formação de quadrilha não se tipifica.
Mas, agora o STF, num julgamento meia boca, de condenação em bloco, sem a análise de condutas individuais, já decidiu o contrário e para isso pagou um preço: mostrou sua nudez intelectual. Ao vivo e a cores.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012


A CARMINHA

João Eichbaum

Não. A Carmen Lúcia, a Carminha, como é conhecida pelos mais íntimos, não é aquela capaz de nos proporcionar a verdadeira ventura de ser homem.
Não é linda, cativante, espontânea, estonteante. Não faz ninguém babar. Não tem um corpo perfeito, talhado para os braços de qualquer um, não é de atrair machos, de lançar engodos, de fazer ninguém se apaixonar, de contaminar com doenças venéreas, nem de extorquir grana de velhos.
Ela não leva jeito de quem desperta desejos, de quem estimula fantasias juvenis, de quem mexe com a cabeça de machos, de quem faça alguém pensar nela debaixo do edredom. Acho que ninguém tem coragem de imaginá-la só de calcinha, mostrando os peitos que ela traz escondidos, o bundão branco, meio flácido, cheio de estrias, que mais parece um mapa de rios do Brasil do que uma bunda - diga-se de passagem.
Ela pode mexer com a fantasia dos machos que usam terno e gravata, andam com uma pasta de executivo, ganham muito dinheiro, e muitas vezes querem fudê-la, (já viram esse verbo com ênclise?) mas só de raiva, putos da vida.
Ela nunca esteve num lixão. Jamais catou lixo. Conheceu alguns cafajestes, é claro. E se aproveitou desses cafajestes. Tanto que é graças a eles  que ela está hoje onde está.
Ah, e tem mais: ela nunca matou ninguém, nunca foi delinquente. Tem até cara de mordomo assassino, mas assassina não é.
Para falar a verdade, ela não é nada sexy, não tem charme, tem um olhar de peixe morto, é uma versão aguada de mulher, desprovida de testosterona. Tem mais intelecto do que instinto, mais razão do que tesão. Quer dizer, mais teses do que tesão.
Eu não diria que a Carminha é horrível, que é uma bruxa, esteticamente falando. Mas é muito sem sal. Pior de engolir do que peixe mal passado. Falta tempero nela para ser uma mulher de verdade, dessas que fazem a cabeça dos machos, dessas que nem necessitam estimular a glande para uma performance exemplar. Pode não ter custo, mas não tem benefício também.
Assim de frente, olho no olho, não rola. Só com Viagra, ou com um travesseiro na cara. Porque ela tem uma cara desinteressante, de morta, mais parece múmia refeita. Ela sempre aparece como se recém tivesse saído  do túmulo, com o cabelo cheio de laquê. Tem uma voz rouca de travesti, talvez nunca tenha aprendido a grunhir de prazer. Porque, cá pra nós, duvido que nesse imenso Brasil algum macho tivesse a coragem de cair de boca para degustar...
Não, não, peraí. Se vocês pensam que estou falando da Carmen Lúcia da novela, negativo. Não posso falar de quem não conheço, não vejo novelas.
A única Carmen Lúcia que vi na televisão foi a do Supremo Tribunal Federal, que o Mendes chama de Carminha, e cuja rival não é a Nina, mas a Rosa Weber, aquela com carinha de virgem reconstituída.




sexta-feira, 19 de outubro de 2012


FORMAÇÃO DE QUADRILHA


João Eichbaum

Acho que nos concursos para o Ministério Público, tanto federal quanto estadual, há um tema que jamais foi objeto de avaliação: a diferença entre “concurso de agentes” e “formação de quadrilha”.
Podem observar: qualquer denúncia na qual se relatem fatos praticados por mais de três pessoas, os agentes do Ministério Público enxergam a parte especial e não a parte geral do Código Penal. E já saem lascando: formação de quadrilha.
Prova disso é o voto do Joaquim Barbosa, enquadrando o Zé Dirceu como quadrilheiro. Explico: o Joaquim Barbosa é oriundo do Ministério Público Federal, quer dizer, se criou no meio daquela turma que costuma enxergar chifre em cabeça de cavalo.
O art. 288 do Código Penal assim define o delito de que aqui se trata: “associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”.
O crime de “formação de quadrilha ou bando”, como todo o crime, pressupõe o elemento subjetivo, a “voluntas sceleris”, quer dizer a vontade de praticar crimes solidariamente, a vontade dirigida para a execução de crimes em conjunto. Donde se conclui que o elemento subjetivo se desdobra em duas finalidades: uma, a associação, o liame, o conjunto; outra, a de execução de crimes.
Em outras palavras, o crime consiste em criar uma associação, uma empresa destinada especificamente à prática de crimes.
A diferença entre “formação de quadrilha” e “co-autoria” reside na intenção. No primeiro, essa intenção é a de organizar um grupo para praticar crimes. Na última, a intenção é de praticar um crime, para o qual seja necessária a participação de  vários agentes.
No caso do “mensalão”, em se admitindo que José Dirceu tivesse sido o mentor, a intenção seria a de “corromper deputados”, para se aliarem ao governo: um crime só. Não havia a intenção de praticar “crimes”, mas de praticar um crime só (embora várias vezes), para cuja execução era necessário o concurso de várias pessoas: uns conseguiam o dinheiro e outros compravam os corruptos.
O tipo de crime, sua dimensão, sua complexidade é que exigiam a participação de mais de três pessoas. A associação era uma consequência, uma necessidade do “modus operandi”, e não uma “causa sceleris”, uma causa desencadeadora do crime. Não houve uma associação para gerar crimes, mas crimes que geraram uma associação.
Joaquim Barbosa, que não se atreveu a conceituar o crime de formação de quadrilha, passou longe do elemento subjetivo, a peça nuclear que distingue o referido crime da co-autoria. Seu voto, prolixo, repetitivo, cheio de “aspas” e virtualmente desconstruído pela prescrição, é digno de figurar numa antologia para boi dormir.





quinta-feira, 18 de outubro de 2012


A ESCALADA DO APARTHEID 

Janer Cristaldo


Nos albores deste século, escrevi que, ao defender os sistemas de cotas na universidade, os negros caíram em uma tosca armadilha. Podem hoje ter facilidades na obtenção de um diploma. Mas quem, amanhã, irá contratar os serviços de profissional que entrou na universidade pela porta dos fundos?

A resposta era simples: cria-se cotas no serviço público. E se ninguém protestar, até nas empresas privadas. Não demorou dez anos e as cotas para escapar da armadilha aí estão.

Começou em maio do ano passado, quando o governador Sérgio Cabral anunciou que, a partir daquela data, os concursos públicos para o Estado do Rio de Janeiro deveriam contar com reserva de vagas para a população negra. No dia 07 de junho, o Diário Oficial publicava o decreto nº 43.007, que reservava 20% das vagas para negros e índios em concursos públicos no Estado.

Mas os privilégios reservados aos não-brancos não fica aí. A nomeação dos aprovados também obedece à classificação geral do concurso, mas a cada cinco candidatos aprovados, a quinta vaga fica destinada a um negro ou índio. Se houver desistência do cotista, essa vaga será preenchida por outro candidato negro ou índio, respeitada a ordem de classificação da lista específica.

A escalada do apartheid continuou em março deste ano quando o governador gaúcho Tarso Genro assinou parecer da Procuradoria Geral do Estado reforçando a política afirmativa de cotas raciais no serviço público estadual, embora estas já estivessem garantidas em lei estadual (13.694/2011) e federal (12.288/2010). Para Tarso, as políticas afirmativas devem ser um direito transitório.

“O fato de políticas como estas, que foram aplicadas na década de 60 nos EUA, ainda causarem surpresa no Brasil, mostra que a nossa elite está muito atrasada. Estas decisões, que vêm sendo implantadas com força desde a Constituição de 88 e adquiriram potencial com o governo Lula, devem ser transitórias. Uma sociedade verdadeiramente avançada e que respeita os direitos civis de forma uniforme para todas as classes sociais, sem diferença de ricos e pobres, não precisa de políticas afirmativas como esta”, falou.

Conversa para boi dormir. Quem viu alguém renunciar a um privilégio? Os Estados Unidos só conseguiram abolir as cotas por decisão judicial. Quando o juiz federal Bernard Friedman determinou o fim da política de ação afirmativa da faculdade de Direito da Universidade de Michigan, os americanos começaram a perceber que a política de cotas era uma péssima idéia. Em 1997, a estudante branca Barbara Grutter abriu processo depois de não ter sido aceita pela faculdade de Direito. 

Para Friedman, levar em consideração a raça dos estudantes como fator para decidir se os aceita ou não é inconstitucional. Segundo o juiz, a política de ação afirmativa da faculdade assemelha-se ao sistema de cotas, que determina que uma certa porcentagem de estudantes pertença a grupos minoritários. Ao ordenar que a faculdade deixe de praticar essa política, escreveu: “Aproximadamente 10% das vagas em cada turma são reservadas para membros de uma raça específica, e essas vagas são retiradas da competição”. 

Em abril, foi a vez de a suprema corte judiciária do país oficializar, por unanimidade, o racismo no Brasil. No dia 26 daquele mês, o STF revogou, com a tranqüilidade dos justos, o art 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. A partir de então, oficializou-se a prática perversa instituída por várias universidades, de considerar que negros valem mais do que um branco na hora do vestibular. Parafraseando Pessoa: constituições são papéis pintados com tinta. Que podem ser rasgados ao sabor das ideologias. 

A escalada teve seu penúltimo ato no início deste mês, quando Marta Suplicy, ministra da Cultura, anunciou que lançará editais para beneficiar apenas produtores e criadores negros. "É para negros serem prestigiados na criação, e não apenas na temática. É para premiar o criador negro, seja como ator, seja como diretor ou como dançarino", disse a ministra à Folha de São Paulo. 

O nó de tope foi dado ontem, quando o Palácio do Planalto anunciou para novembro deste ano um amplo pacote de ações afirmativas que inclui a adoção de cotas para negros no funcionalismo federal. A medida, defendida pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff, atingiria tanto os cargos comissionados quanto os concursados.

Segundo a Folha, que teve acesso às propostas, a cota no funcionalismo público federal propõe piso de 30% para negros nas vagas criadas a partir da aprovação da legislação. Hoje, o Executivo tem cerca de 574 mil funcionários civis.

Existe também a idéia de criar incentivos fiscais para a iniciativa privada fixar metas de preenchimento de vagas de trabalho por negros. Ou seja, o empresário não ficaria obrigado a contratar ninguém, mas seria financeiramente recompensado se optasse por seguir a política racial do governo federal.

Mérito ou capacitação profissional não mais interessam. O que interessa, definitivamente, é a cor da pele. A medida pode fixar um novo marco nas relações sociais, diz a Folha. 

Sem dúvida. Dona Dilma terá a honra de instaurar oficialmente o apartheid no Brasil.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012


PAULO BROSSARD E O “MENSALÃO”


João Eichbaum

Finalmente o Paulo Brossard falou sobre o “mensalão”. Ele estava na moita, parecia que não queria saber do assunto. Mas agora falou. Fê-lo na sua coluna de segunda feira da Zero Hora.
Mas, o fez, pisando em ovos, na condição de jurista, advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. Todavia, sem poupar adjetivos, agiu como um elefante em vidraçaria, quando deu liberdade à sua ideologia política.
Não disse uma palavra sequer sobre a condenação do José Dirceu, do ponto de vista jurídico. Nem tocou na “teoria do domínio do fato” que, presumivelmente, não conhece. Não comentou a falta de compostura de Joaquim Barbosa, a falta de isenção de Dias Toffoli, os discursos exibicionistas do Celso de Mello, nem a insegurança de Rosa Weber na ciência penal. Mas não deixou de festejar, subreptíciamente a conclusão condenatória.
Fez questão de ressaltar o sentido “histórico” do julgamento, apontando todas as características que lhe emprestam lugar de destaque nos anais daquela corte.
Como advogado que é, de reconhecida capacidade, poderia ter sido contratado por algum ou alguns dos réus, vários deles donos de um “status” financeiro à altura dos honorários advocatícios que ele, Brossard, costuma cobrar.
Não se sabe se ele não foi lembrado, se exagerou no preço ou se simplesmente não quis comprometer suas ideias políticas e seu vínculo com Fernando Henrique Cardoso, defendendo políticos umbilicalmente ligados a Lula e Dilma, pelos quais não esconde sua antipatia.
Sorte dele. Se tivesse aceitado e atuado no processo como defensor, certamente não estaria se pronunciando da maneira como se pronunciou, aplaudindo as decisões com o mesmo entusiasmo do povo, que não conhece o Direito.
No fundo, é o espírito de corpo que o domina: ainda se sente “ministro” do STF e não quer atrair para si a antipatia de seus pares.
Ele só vai se dar conta do preço dessa solidariedade com os absurdos cometidos no julgamento do “mensalão”, no dia em que tiver algum cliente condenado pela “teoria do domínio do fato”.

terça-feira, 16 de outubro de 2012


O DUDA MUDOU O SUPREMO

João Eichbaum


O Duda Mendonça tem muito dinheiro. Tem prestígio e dinheiro. Ah, sim, e muita capacidade profissional também. Ele consegue milagres na transformação de imagens, sabe fazer a cabeça das pessoas.
Vocês se lembram daquele conto de fadas, aquele da moça que beijou um sapo e o transformou em príncipe?
Pois o Duda Mendonça é, mais ou menos a mesma coisa, tem poderes semelhantes. Ele conseguiu transformar um batráquio qualquer, um sapo, numa das figuras que mais imantam o populacho deste país.
Agora ele foi mais longe. Chegou com seu poder de transformação no Supremo Tribunal Federal.
Em menos de uma semana, o Supremo Tribunal Federal mudou.
Assim, ó. Para condenar o José Dirceu, a maioria dos ministros dispensou as provas e o Código de Processo Penal. O pessoal foi buscar uma teoria alemã, chamada “teoria do domínio do fato”, para condenar o cara, já que não havia jeito de condená-lo por força das provas do processo.
Já disse isso uma vez, mas não me custa repetir: a teoria do domínio do fato nada tem a ver com provas para condenar ou absolver. Mas foi dela que os ministros se valeram para condenar o Zé Dirceu.
Na vez de julgarem o Duda Mendonça, a coisa foi diferente. Ninguém lembrou da “teoria do domínio do fato”. O Duda Mendonça foi absolvido porque não havia provas contra ele. Os onze milhões que foram mandados para o exterior na conta que ele abriu especialmente para isso, embora tivesse outras contas lá fora, são merrecas (e acho que alguém até pensou no “de minimis não curat pretor”, a teoria do crime de bagatela, inventada pelo mesmo inventor da “teoria do domínio do fato”) que não poderiam lhe despertar a suspeita de que era dinheiro sujo.
Para os inocentes, tudo é inocente, pensaram os ministros, certamente. Mesmo lidando com corruptos, o Duda Mendonça é tão inocente, que se torna imune à corrupção.
Só ontem os ministros se lembraram de que é necessária a prova de culpa, a prova do elemento subjetivo, para que alguém seja condenado. E mais, nessa parte do julgamento, eles descobriram uma coisa que até então não lhes tinha chamado a atenção: a deficiência da denúncia.
Foi milagre operado pelo Duda Mendonça. Somente um cara como ele, que tem muito dinheiro e sabe transformar sapos em qualquer coisa poderia conseguir esse milagre: só a fidelidade “ao devido processo legal” pode assegurar a preservação dos direitos fundamentais do ser humano.




segunda-feira, 15 de outubro de 2012


COMPRANDO MISSA

João Eichbaum

Lorenzo de Medici foi um dos mais importantes governantes da república de Florença. Tinha muita grana, gostava de arte, não poupava dinheiro para isso. Florença está aí, para não me deixar mentir.
 Como todo mundo sabe, desde que o mundo é mundo, o dinheiro compra tudo, inclusive, e principalmente, poder. E Lorenzo de Medici, evidentemente, conhecia essa velha regra. Vendo na carreira eclesiástica um instrumento virtual de poder, pressionou o Papa Inocêncio VIII, para que admitisse seu filho, Giovanni de Medici, nos caminhos desse tipo de mão de obra, que tem Deus como patrão. De modo que o pequeno Giovanni, com apenas sete anos de idade, foi nomeado cardeal-diácono de Santa Maria in Domenica, em março de 1.489. Mas, já aos dezesseis anos era admitido formalmente com assento naquela instituição.
Foi assim que começou sua brilhante carreira aquele que, com apenas 37 anos de idade, seria coroado papa, com o codinome de Leão X.
Acostumado à riqueza, Leão X não podia viver sem faustos e sem dinheiro, depois que os Medici foram expulsos de Florença. Então, alguém lhe assoprou ou ele próprio, para construir a basílica de São Pedro, instituiu o rendoso negócio das “indulgências plenárias”, tipo “vendem-se absolvições”. Promulgou então o tarifário de indulgências, conhecido como Taxa Camarae, com a relação dos pecados que seriam perdoados mediante o pagamento de taxas. Só dou um exemplo: “O clérigo que cometer pecado carnal, seja com freiras, com primas, sobrinhas, afilhadas ou com qualquer outra mulher será absolvido mediante o pagamente de 67 libras, 12 soldos”.
Contra essa mercancia da salvação das almas revoltou-se o monge Martinho Lutero, dando causa ao cisma histórico de que nasceu o protestantismo.
A Igreja, depois disso, mudou os hábitos, passou a viver de óbulos e espórtulas, além de instituir o “dízimo” como mandamento.
Nos tempos modernos, como a comercialização do evangelho passou a ser um empreendimento de várias Igrejas, a concorrência respingou seus efeitos na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Hoje, para a manutenção das paróquias e dioceses já não bastam as espórtulas, nem o dízimo. Os óbulos passaram a ser insignificantes. E, certamente, nesses tempos duros, as palavras que o evangelho de Mateus, no capítulo 6, versículos 25 e 26, atribui a Jesus Cristo, não passam de literatura:  não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta”. Claro, para ele era fácil, não precisava trabalhar. Se sentia vontade de tomar um trago, transformava água em vinho, se tinha fome, multiplicava pães e peixes, se precisava dinheiro, tirava moeda da boca dos peixes.
Mas não ensinou esses truques para ninguém e seus seguidores tiveram que se virar como qualquer mortal, vendendo pecados e indulgências. Ou fazendo como faz, por exemplo, a Diocese de Santa Maria,  alugando os imóveis que se situam em volta da Catedral, e com isso faturando cerca de quarenta e cinco mil reais por mês.
Ao contrário do que vocês estão pensando, esse montante não vai parar nos bolsos sem fundos do bispo, não. Sua Excelência Reverendíssima, como evangelizador que é, não pode permitir que as almas se percam. Ele trata de garantir a salvação delas. Com essa verba, paga a Empresa de Televisão Rede Vida que, por acaso, pertence à Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, a fim de que ela leve, para dentro dos lares católicos da Diocese, a santa missa celebrada todos os domingos na cripta da Medianeira.
De modo que, ao invés de vender pecados, como fazia Leão X, o bispo compra missas. Sem regatear o preço, diga-se de passagem.




sexta-feira, 12 de outubro de 2012


A NOTÓRIA AUSÊNCIA DE SABER JURÍDICO  (II)

João Eichbaum

Quando invocaram a “teoria do domínio do fato” para condenar o José Dirceu, o que me chamou a atenção nos ministros foi que nenhum deles mencionou o nome original (Tatherrschaftslehere) da teoria. Logo eles, que gostam de arrotar erudição, depois de comer o “juridiquês” que maltrata o nosso vernáculo! Nem o Joaquim Barbosa que, segundo um currículo que circula pela internet, “fala alemão”.
Pois anuncio, sem medo de errar: nenhum dos ministros domina o alemão. A palavra “Tatherrschftslehre” dá nó na língua de quem não tem intimidade com o idioma de Goethe. Por isso, não tiveram coragem de pronunciá-la.
Pior do que isso, minha gente: eles não conhecem a mencionada teoria. Quando ouvi o Mendes, o Celso de Mello, o Fux, e até a Rosa Weber, que nada entende de Direito Penal, dizerem que o Código Penal Brasileiro adotou a “teoria do domínio do fato”, caí duro.
E sabem por que? Porque a “Tatherrschatslehere” está exatamente na contramão do artigo 29 do Código Penal.
Explico. Segundo o art. 29, não interessa a distinção entre quem mandou ou quem praticou o crime: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas”. Ao passo que, segundo o conceito original, a “teoria do domínio do fato” tem em mira exatamente a distinção entre a ação e a participação no fato penal, pois é assim definida em alemão: “Tatherrsschaft ist ein Begriff aus der strafrechtlichen Tatherrschaftslehere, die zur Abgrenzung von Täterschaft und Teilnahme herangezogen wird”. E no desdobramento do conceito se explica que a questão gira em torno de saber quem é a “figura central” do fato penal concreto, o agente (e não o instigador ou co-partícipe): “es geht also um die Frage, wer die Zentralfigur des konkreten Handlungsgeschehens und somit Täter (und nicht etwa nur Anstifter oder Gehilfe).
A “teoria do domínio do fato” não só não tem nada a ver com o artigo 29 do Código Penal brasileiro, como não tem nada a ver também com a questão da prova.
O art. 29 do Código Penal brasileiro é, isso sim, praticamente, uma tradução do § 25 StGB (art .25 do Código Penal alemão):  Als Täter wird bestraft, wer die Straftat selbst oder durch einen anderen begeht. Begehen mehrere die Straftat gemeinschaftlich, so wird jeder als Täter bestraft. Traduzindo: “Como autor será condenado quem cometer o crime por si mesmo ou através de outrem. Se vários participarem do crime, cada qual será tido como autor”.
A “teoria do domínio do fato” tem a ver, sim, com o art. 62 do Código Penal, para fins de aplicação de agravante. Nada mais.
A tese da defesa de José Dirceu era a da ausência de provas. Pura e simplesmente isso. Mas, oito ministros o condenaram sob o argumento de que a “teoria do domínio do fato” e o artigo 29 do Código Penal os autorizavam.
Quer dizer, condenaram o José Dirceu, decretando que focinho de porco e tomada são a mesma coisa.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012


A NOTÓRIA AUSÊNCIA DE SABER JURÍDICO

João Eichbaum

Por incrível que pareça, um dos votos que, no julgamento do “mensalão”, mais se aproximou da verdade jurídica – não da verdade empírica – foi o do Dias Toffoli, quando examinou a denúncia relativa a José Dirceu.
A conduta de José Dirceu, narrada na denúncia, se limita a reuniões  com dirigentes do Banco Rural e seu empenho em gestões de Marcos Valério junto à Portugal Telecom e ao Banco Espírito Santo, também português.
De todas as circunstâncias que emergem do processo se infere que ele estaria usando de seu prestígio pessoal e da força do cargo, para facilitar vários favores do Banco Central em prol do mencionado Banco Rural. E no que diz respeito à Portugal Telecom e Banco Espírito Santo, ele estaria interessado em benefícios financeiros que iriam parar nos cofres do PT.
Tanto os favores ao Banco Rural, como os efeitos dos negócios com a Portugal Telecom e o Banco Espírito Santo, passando pelas empresas de Marcos Valério, renderiam bons dividendos ao PT.
No seu voto, Dias Toffoli reconhece que, em tais circunstâncias, José Dirceu teria cometido os crimes de corrupção passiva, advocacia administrativa e tráfico de influência, mas, nunca, de corrupção ativa.
Dessas três condutas penais, a que mais se aproxima do comportamento de José Dirceu é a de “advocacia administrativa” que consiste em “patrocinar direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário” (art. 321 do Código Penal).
Tanto os interesses do Banco Rural, como os das empresas de Marcos Valério e os do PT eram “interesses privados”, patrocinados por José Dirceu perante o Banco Central (administração pública). Já a Portugal Telecom e o Banco Espírito Santo, por serem instituições privadas, não serviriam para configurar esse crime.
Admitindo-se, para argumentar, que também os delitos de corrupção passiva e tráfico de influência se ajustassem à denunciada conduta de Dirceu, como sugeriu Dias Toffoli, o ministro deveria ter condenado o réu por esses delitos. Ao contrário disso, fez a única coisa que não podia, dentro das alternativas propostas pelos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal: absolver o réu.
O pior de tudo é que os outros ministros ficaram quietos, ninguém aparteou, ninguém contestou, ninguém apontou a gritante falha de Dias Toffoli.
Foi um silêncio revelador de que o “notório saber jurídico” dos ministros não passa pelo processo penal.