quinta-feira, 18 de outubro de 2012


A ESCALADA DO APARTHEID 

Janer Cristaldo


Nos albores deste século, escrevi que, ao defender os sistemas de cotas na universidade, os negros caíram em uma tosca armadilha. Podem hoje ter facilidades na obtenção de um diploma. Mas quem, amanhã, irá contratar os serviços de profissional que entrou na universidade pela porta dos fundos?

A resposta era simples: cria-se cotas no serviço público. E se ninguém protestar, até nas empresas privadas. Não demorou dez anos e as cotas para escapar da armadilha aí estão.

Começou em maio do ano passado, quando o governador Sérgio Cabral anunciou que, a partir daquela data, os concursos públicos para o Estado do Rio de Janeiro deveriam contar com reserva de vagas para a população negra. No dia 07 de junho, o Diário Oficial publicava o decreto nº 43.007, que reservava 20% das vagas para negros e índios em concursos públicos no Estado.

Mas os privilégios reservados aos não-brancos não fica aí. A nomeação dos aprovados também obedece à classificação geral do concurso, mas a cada cinco candidatos aprovados, a quinta vaga fica destinada a um negro ou índio. Se houver desistência do cotista, essa vaga será preenchida por outro candidato negro ou índio, respeitada a ordem de classificação da lista específica.

A escalada do apartheid continuou em março deste ano quando o governador gaúcho Tarso Genro assinou parecer da Procuradoria Geral do Estado reforçando a política afirmativa de cotas raciais no serviço público estadual, embora estas já estivessem garantidas em lei estadual (13.694/2011) e federal (12.288/2010). Para Tarso, as políticas afirmativas devem ser um direito transitório.

“O fato de políticas como estas, que foram aplicadas na década de 60 nos EUA, ainda causarem surpresa no Brasil, mostra que a nossa elite está muito atrasada. Estas decisões, que vêm sendo implantadas com força desde a Constituição de 88 e adquiriram potencial com o governo Lula, devem ser transitórias. Uma sociedade verdadeiramente avançada e que respeita os direitos civis de forma uniforme para todas as classes sociais, sem diferença de ricos e pobres, não precisa de políticas afirmativas como esta”, falou.

Conversa para boi dormir. Quem viu alguém renunciar a um privilégio? Os Estados Unidos só conseguiram abolir as cotas por decisão judicial. Quando o juiz federal Bernard Friedman determinou o fim da política de ação afirmativa da faculdade de Direito da Universidade de Michigan, os americanos começaram a perceber que a política de cotas era uma péssima idéia. Em 1997, a estudante branca Barbara Grutter abriu processo depois de não ter sido aceita pela faculdade de Direito. 

Para Friedman, levar em consideração a raça dos estudantes como fator para decidir se os aceita ou não é inconstitucional. Segundo o juiz, a política de ação afirmativa da faculdade assemelha-se ao sistema de cotas, que determina que uma certa porcentagem de estudantes pertença a grupos minoritários. Ao ordenar que a faculdade deixe de praticar essa política, escreveu: “Aproximadamente 10% das vagas em cada turma são reservadas para membros de uma raça específica, e essas vagas são retiradas da competição”. 

Em abril, foi a vez de a suprema corte judiciária do país oficializar, por unanimidade, o racismo no Brasil. No dia 26 daquele mês, o STF revogou, com a tranqüilidade dos justos, o art 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. A partir de então, oficializou-se a prática perversa instituída por várias universidades, de considerar que negros valem mais do que um branco na hora do vestibular. Parafraseando Pessoa: constituições são papéis pintados com tinta. Que podem ser rasgados ao sabor das ideologias. 

A escalada teve seu penúltimo ato no início deste mês, quando Marta Suplicy, ministra da Cultura, anunciou que lançará editais para beneficiar apenas produtores e criadores negros. "É para negros serem prestigiados na criação, e não apenas na temática. É para premiar o criador negro, seja como ator, seja como diretor ou como dançarino", disse a ministra à Folha de São Paulo. 

O nó de tope foi dado ontem, quando o Palácio do Planalto anunciou para novembro deste ano um amplo pacote de ações afirmativas que inclui a adoção de cotas para negros no funcionalismo federal. A medida, defendida pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff, atingiria tanto os cargos comissionados quanto os concursados.

Segundo a Folha, que teve acesso às propostas, a cota no funcionalismo público federal propõe piso de 30% para negros nas vagas criadas a partir da aprovação da legislação. Hoje, o Executivo tem cerca de 574 mil funcionários civis.

Existe também a idéia de criar incentivos fiscais para a iniciativa privada fixar metas de preenchimento de vagas de trabalho por negros. Ou seja, o empresário não ficaria obrigado a contratar ninguém, mas seria financeiramente recompensado se optasse por seguir a política racial do governo federal.

Mérito ou capacitação profissional não mais interessam. O que interessa, definitivamente, é a cor da pele. A medida pode fixar um novo marco nas relações sociais, diz a Folha. 

Sem dúvida. Dona Dilma terá a honra de instaurar oficialmente o apartheid no Brasil.


Nenhum comentário: