A NOTÓRIA AUSÊNCIA DE SABER JURÍDICO
(II)
João
Eichbaum
Quando
invocaram a “teoria do domínio do fato” para condenar o José Dirceu, o que me
chamou a atenção nos ministros foi que nenhum deles mencionou o nome original
(Tatherrschaftslehere) da teoria. Logo eles, que gostam de arrotar erudição,
depois de comer o “juridiquês” que maltrata o nosso vernáculo! Nem o Joaquim
Barbosa que, segundo um currículo que circula pela internet, “fala alemão”.
Pois
anuncio, sem medo de errar: nenhum dos ministros domina o alemão. A palavra
“Tatherrschftslehre” dá nó na língua de quem não tem intimidade com o idioma de
Goethe. Por isso, não tiveram coragem de pronunciá-la.
Pior
do que isso, minha gente: eles não conhecem a mencionada teoria. Quando ouvi o
Mendes, o Celso de Mello, o Fux, e até a Rosa Weber, que nada entende de
Direito Penal, dizerem que o Código Penal Brasileiro adotou a “teoria do
domínio do fato”, caí duro.
E
sabem por que? Porque a “Tatherrschatslehere” está exatamente na contramão do
artigo 29 do Código Penal.
Explico.
Segundo o art. 29, não interessa a distinção entre quem mandou ou quem praticou
o crime: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a
este cominadas”. Ao passo que, segundo o conceito original, a “teoria do
domínio do fato” tem em mira exatamente a distinção entre a ação e a participação no fato penal, pois
é assim definida em alemão: “Tatherrsschaft ist ein Begriff aus der
strafrechtlichen Tatherrschaftslehere, die zur Abgrenzung von Täterschaft und
Teilnahme herangezogen wird”. E no desdobramento do conceito se explica que a
questão gira em torno de saber quem é a “figura central” do fato penal
concreto, o agente (e não o instigador ou co-partícipe): “es geht also um die
Frage, wer die Zentralfigur des
konkreten Handlungsgeschehens und somit Täter (und nicht etwa nur Anstifter
oder Gehilfe).
A
“teoria do domínio do fato” não só não tem nada a ver com o artigo 29 do Código
Penal brasileiro, como não tem nada a ver também com a questão da prova.
O
art. 29 do Código Penal brasileiro é, isso sim, praticamente, uma tradução do §
25 StGB (art .25 do Código Penal alemão):
Als Täter wird bestraft, wer die Straftat selbst oder
durch einen anderen begeht. Begehen mehrere die Straftat
gemeinschaftlich, so wird jeder als Täter bestraft. Traduzindo: “Como autor será
condenado quem cometer o crime por si mesmo ou através de outrem. Se vários
participarem do crime, cada qual será tido como autor”.
A
“teoria do domínio do fato” tem a ver, sim, com o art. 62 do Código Penal, para
fins de aplicação de agravante. Nada mais.
A
tese da defesa de José Dirceu era a da ausência de provas. Pura e simplesmente
isso. Mas, oito ministros o condenaram sob o argumento de que a “teoria do
domínio do fato” e o artigo 29 do Código Penal os autorizavam.
Quer
dizer, condenaram o José Dirceu, decretando que focinho de porco e tomada são a
mesma coisa.
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