segunda-feira, 15 de outubro de 2012


COMPRANDO MISSA

João Eichbaum

Lorenzo de Medici foi um dos mais importantes governantes da república de Florença. Tinha muita grana, gostava de arte, não poupava dinheiro para isso. Florença está aí, para não me deixar mentir.
 Como todo mundo sabe, desde que o mundo é mundo, o dinheiro compra tudo, inclusive, e principalmente, poder. E Lorenzo de Medici, evidentemente, conhecia essa velha regra. Vendo na carreira eclesiástica um instrumento virtual de poder, pressionou o Papa Inocêncio VIII, para que admitisse seu filho, Giovanni de Medici, nos caminhos desse tipo de mão de obra, que tem Deus como patrão. De modo que o pequeno Giovanni, com apenas sete anos de idade, foi nomeado cardeal-diácono de Santa Maria in Domenica, em março de 1.489. Mas, já aos dezesseis anos era admitido formalmente com assento naquela instituição.
Foi assim que começou sua brilhante carreira aquele que, com apenas 37 anos de idade, seria coroado papa, com o codinome de Leão X.
Acostumado à riqueza, Leão X não podia viver sem faustos e sem dinheiro, depois que os Medici foram expulsos de Florença. Então, alguém lhe assoprou ou ele próprio, para construir a basílica de São Pedro, instituiu o rendoso negócio das “indulgências plenárias”, tipo “vendem-se absolvições”. Promulgou então o tarifário de indulgências, conhecido como Taxa Camarae, com a relação dos pecados que seriam perdoados mediante o pagamento de taxas. Só dou um exemplo: “O clérigo que cometer pecado carnal, seja com freiras, com primas, sobrinhas, afilhadas ou com qualquer outra mulher será absolvido mediante o pagamente de 67 libras, 12 soldos”.
Contra essa mercancia da salvação das almas revoltou-se o monge Martinho Lutero, dando causa ao cisma histórico de que nasceu o protestantismo.
A Igreja, depois disso, mudou os hábitos, passou a viver de óbulos e espórtulas, além de instituir o “dízimo” como mandamento.
Nos tempos modernos, como a comercialização do evangelho passou a ser um empreendimento de várias Igrejas, a concorrência respingou seus efeitos na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Hoje, para a manutenção das paróquias e dioceses já não bastam as espórtulas, nem o dízimo. Os óbulos passaram a ser insignificantes. E, certamente, nesses tempos duros, as palavras que o evangelho de Mateus, no capítulo 6, versículos 25 e 26, atribui a Jesus Cristo, não passam de literatura:  não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta”. Claro, para ele era fácil, não precisava trabalhar. Se sentia vontade de tomar um trago, transformava água em vinho, se tinha fome, multiplicava pães e peixes, se precisava dinheiro, tirava moeda da boca dos peixes.
Mas não ensinou esses truques para ninguém e seus seguidores tiveram que se virar como qualquer mortal, vendendo pecados e indulgências. Ou fazendo como faz, por exemplo, a Diocese de Santa Maria,  alugando os imóveis que se situam em volta da Catedral, e com isso faturando cerca de quarenta e cinco mil reais por mês.
Ao contrário do que vocês estão pensando, esse montante não vai parar nos bolsos sem fundos do bispo, não. Sua Excelência Reverendíssima, como evangelizador que é, não pode permitir que as almas se percam. Ele trata de garantir a salvação delas. Com essa verba, paga a Empresa de Televisão Rede Vida que, por acaso, pertence à Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, a fim de que ela leve, para dentro dos lares católicos da Diocese, a santa missa celebrada todos os domingos na cripta da Medianeira.
De modo que, ao invés de vender pecados, como fazia Leão X, o bispo compra missas. Sem regatear o preço, diga-se de passagem.




Um comentário:

Gigi disse...

É sofrido, para mim,ler "Comprando missa". Como eu gostaria que fosse expressão da realidade e do comportamento do cristão aquela linda passagem (transcrita) do evangelista - e não mero discurso literário. Minha mãe recorda que, quando faleceu meu pai, prematuramente, aflita com a sobrecarga de providenciar sozinha o sustento próprio e de três filhos, foi falar com o padre interiorano de certa localidade argentina. O qual rememorou a citada passagem do evangelho e as flores do campo, palavras com que a reanimou. O que ela conta até hoje. Duros tempos vivemos, ó cristãos, não como aqueles do referido papa, onde a Igreja foi ao fundo do poço, contudo, tão longe do ideal evangélico.