COMPRANDO
MISSA
João
Eichbaum
Lorenzo
de Medici foi um dos mais importantes governantes da república de Florença.
Tinha muita grana, gostava de arte, não poupava dinheiro para isso. Florença
está aí, para não me deixar mentir.
Como todo mundo sabe, desde que o mundo é
mundo, o dinheiro compra tudo, inclusive, e principalmente, poder. E Lorenzo de
Medici, evidentemente, conhecia essa velha regra. Vendo na carreira eclesiástica
um instrumento virtual de poder, pressionou o Papa Inocêncio VIII, para que
admitisse seu filho, Giovanni de Medici, nos caminhos desse tipo de mão de
obra, que tem Deus como patrão. De modo que o pequeno Giovanni, com apenas sete
anos de idade, foi nomeado cardeal-diácono de Santa Maria in Domenica, em março
de 1.489. Mas, já aos dezesseis anos era admitido formalmente com assento
naquela instituição.
Foi assim
que começou sua brilhante carreira aquele que, com apenas 37 anos de idade,
seria coroado papa, com o codinome de Leão X.
Acostumado
à riqueza, Leão X não podia viver sem faustos e sem dinheiro, depois que os
Medici foram expulsos de Florença. Então, alguém lhe assoprou ou ele próprio,
para construir a basílica de São Pedro, instituiu o rendoso negócio das
“indulgências plenárias”, tipo “vendem-se absolvições”. Promulgou então o
tarifário de indulgências, conhecido como Taxa Camarae, com a relação dos
pecados que seriam perdoados mediante o pagamento de taxas. Só dou um exemplo:
“O clérigo que cometer
pecado carnal, seja com freiras, com primas, sobrinhas, afilhadas ou com
qualquer outra mulher será absolvido mediante o pagamente de 67 libras, 12
soldos”.
Contra
essa mercancia da salvação das almas revoltou-se o monge Martinho Lutero, dando
causa ao cisma histórico de que nasceu o protestantismo.
A Igreja,
depois disso, mudou os hábitos, passou a viver de óbulos e espórtulas, além de
instituir o “dízimo” como mandamento.
Nos
tempos modernos, como a comercialização do evangelho passou a ser um empreendimento
de várias Igrejas, a concorrência respingou seus efeitos na Santa Igreja
Católica, Apostólica, Romana. Hoje, para a manutenção das paróquias e dioceses
já não bastam as espórtulas, nem o dízimo. Os óbulos passaram a ser
insignificantes. E, certamente, nesses tempos duros, as palavras que o
evangelho de Mateus, no capítulo 6, versículos 25 e 26, atribui a Jesus Cristo,
não passam de literatura: “não andeis cuidadosos
quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem
quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o
mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em
celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta”. Claro, para ele era fácil, não
precisava trabalhar. Se sentia vontade de tomar um trago, transformava água em
vinho, se tinha fome, multiplicava pães e peixes, se precisava dinheiro, tirava
moeda da boca dos peixes.
Mas
não ensinou esses truques para ninguém e seus seguidores tiveram que se virar
como qualquer mortal, vendendo pecados e indulgências. Ou fazendo como faz, por
exemplo, a Diocese de Santa Maria, alugando os imóveis que se situam em volta da
Catedral, e com isso faturando cerca de quarenta e cinco mil reais por mês.
Ao contrário do que
vocês estão pensando, esse montante não vai parar nos bolsos sem fundos do
bispo, não. Sua Excelência Reverendíssima, como evangelizador que é, não pode
permitir que as almas se percam. Ele trata de garantir a salvação delas. Com
essa verba, paga a Empresa de Televisão Rede Vida que, por acaso, pertence à
Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, a fim de que ela leve, para dentro
dos lares católicos da Diocese, a santa missa celebrada todos os domingos na
cripta da Medianeira.
De modo que, ao invés de vender pecados,
como fazia Leão X, o bispo compra missas. Sem regatear o preço, diga-se de
passagem.
Um comentário:
É sofrido, para mim,ler "Comprando missa". Como eu gostaria que fosse expressão da realidade e do comportamento do cristão aquela linda passagem (transcrita) do evangelista - e não mero discurso literário. Minha mãe recorda que, quando faleceu meu pai, prematuramente, aflita com a sobrecarga de providenciar sozinha o sustento próprio e de três filhos, foi falar com o padre interiorano de certa localidade argentina. O qual rememorou a citada passagem do evangelho e as flores do campo, palavras com que a reanimou. O que ela conta até hoje. Duros tempos vivemos, ó cristãos, não como aqueles do referido papa, onde a Igreja foi ao fundo do poço, contudo, tão longe do ideal evangélico.
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