quarta-feira, 31 de outubro de 2012


A VIÚVA QUE VIU
O CONGRESSO NU
 

Janer Cristaldo
- Considera-se que pelo menos uma centena de deputados foram comprados. É um punhado considerável de prostitutas, capaz de virar qualquer votação. Pergunta que nenhum jornal ainda fez: voto comprado vale? Venalidade pode criar legislação? Pode derrubar cláusulas pétreas e extinguir direitos adquiridos? Se cassados estes deputados, não seria o caso de cassar também seus votos passados?

Isto eu me perguntava em julho de 2005, após a compra por atacado de parlamentares pelo PT, para empurrar à nação toda a reforma da Previdência, ainda que para isso fosse necessário rasgar a Constituição. Abaixo, segue crônica de agosto de 2004, onde eu manifestava meu espanto ante a nonchalance com que se rasga uma Constituição no Brasil. A Carta Magna foi rasgada, rasgada ficou e mais não se falou no assunto.
Que me lembre, ninguém cogitou destas questões na época. Hoje, passados sete anos, as perguntas começam a surgir na imprensa. Segundo a Veja, o ministro Celso de Mello “tem mencionado durante o julgamento um tema que permeia discussões reservadas entre os integrantes do tribunal: a validade de projetos aprovados pelo Congresso Nacional em votações que a Justiça ratificou terem sido feitas mediante pagamentos a parlamentares”.

Segundo o ministro, o caso deve ser enfrentado pelo Supremo na esteira do julgamento do mensalão. Ele compara a validade das reformas aprovadas, como a da Previdência Social, à legalidade de sentenças proferidas por juízes que tenham recebido propina. “É o mesmo que ocorre com um juiz corrupto, no qual suas sentenças podem ser anuladas mesmo que estejam em trânsito julgado”, disse. 
Por nove anos, a nação conviveu serenamente com a decisão inconstitucional de um Congresso comprado a peso de ouro pelo governo. Nenhum dos ditos defensores dos direitos humanos, ou simplesmente do Estado de direito, impetrou ação de inconstitucionalidade. A nenhum aposentado ou pensionista ocorreu denunciar a Emenda 41 como inepta. Foi como se comprar deputados para aprovar leis de interesse do governo fosse a coisa mais normal do mundo.

De repente, não mais que de repente, nove anos depois, ministros do mesmo tribunal que validou a compra de votos descobrem – ó perspicácia! – que o Congresso foi comprado. Mas estes mesmos ministros que declararam comprovada a compra de votos, notadamente na Reforma Previdenciária, já afirmaram cautelosamente, em alto e bom som, que isto não implica a anulação da reforma da previdência, pois já surtiu efeitos.

O que é uma grossa bobagem. Pois se o STF tem poderes para fazer os mensaleiros devolverem o que roubaram da nação, o STF tem também poderes para fazer o Estado devolver o que roubou dos aposentados e pensionistas. 
Ainda há pouco me fiz uma outra pergunta: e se alguma velhota prejudicada com a tunga de sua aposentadoria entrar com uma ação, alegando que voto comprado não pode gerar lei? Não deu outra. Uma viúva do interior de Minas exige receber o valor integral da pensão que o marido recebia quando estava vivo, de R$ 4.801. O valor atualmente pago pelo Instituto de Previdência dos Servidores de Minas Gerais (Ipsemg) à mulher foi reduzido para R$ 2.575,71 com a entrada em vigor da Emenda 41, em 2003. É o que leio no Estadão.

O juiz mineiro Geraldo Claret de Arantes deu ganho de causa à viúva. Em entrevista ao jornal, disse que o próprio STF já havia afirmado que a Emenda 41 foi aprovada "sob influência da compra de votos", e que o relator Joaquim Barbosa faz "relação clara da votação com a entrega de dinheiro. Esta reforma está maculada definitivamente pela compra de votos, não representou a vontade popular. Ela padece do vício do decoro parlamentar", reitera o juiz. 

Que se disse surpreso com a repercussão de sua decisão, que considera taxativamente de inconstitucional, a Reforma da Previdência. "Essa reforma foi a mais violenta de todas na expropriação de direitos. Ela viola a cláusula pétrea da Constituição do direito adquirido. A pensão não é uma benesse, é o ressarcimento do que o cidadão pagou a vida inteira. Não pode o governo chegar no meio do jogo e mudar a regra, dizendo que ele vai receber a metade".
O juiz Claret cita Maquiavel para condenar o argumento oficial de que a Previdência está falida: "Esse é um argumento da Idade Média. Quer dizer que, quando o interesse do príncipe for maior que o interesse do povo, prevalece o interesse do príncipe? Então querem tomar R$ 2 mil da viúva lá do interior para salvar a sétima economia do mundo?". E recorre a Padre Vieira para dizer que está com a consciência tranquila de que tomou a decisão certa. "O pior dos pecados é a omissão". 

A decisão do juiz mineiro põe em xeque o STF. E acusa todo o Judiciário que, de 2003 para cá, conviveu serenamente com um ordenamento jurídico inconstitucional.

Ainda segundo o Estadão, para o presidente da OAB-MG, Luis Cláudio Chaves, a tese do juiz tem fundamento e pode abrir precedente para mais ações nesse sentido. "O fundamento dele é interessante, amparado numa compra de votos que influenciou a vontade parlamentar. Se ficar provado que o processo legislativo sofreu uma influência por conta da compra de voto de parlamentares, ele pode ser considerado nulo", disse Chaves.
Provado já está, ou os mensaleiros não seriam condenados, como estão sendo. A viúva mineira viu a nudez do Congresso. E teve a ventura de encontrar um juiz que não é míope. Quando esta sentença chegar ao Supremo, qual será a atitude dos ministros? Continuarão afirmando que isto não implica a anulação da reforma da previdência, pois já surtiu efeitos?

Se assim for, está legitimada a compra do Congresso e não se entende por que estão sendo julgados Zé Dirceu, Genoíno, Delúbio, Marcos Valério et caterva. Se assim for, estes ilustres vultos da pátria são realmente vítimas da imprensa golpista e do ressentimento de um ministro que, além de negro, é mal-agradecido.

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