quarta-feira, 6 de março de 2013


A DIGNIDADE DO SER  HUMANO
João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

O pai não possui lugar fixo para morar. Trabalha na roça e fica, como ele próprio diz, “no mato”. A mãe mora atrás de um bar que é ponto de prostituição. Nesse bar, ela passa quase todo dia bebendo cerveja, enquanto dura o dinheiro do “bolsa-família”, que o governo brasileiro paga, para “erradicar a miséria”. Os filhos, uma menina de quatro e um menino de cinco anos, mas cuja data de nascimento a mãe ignora, ficam zanzando por ali com ela. A casa, onde ela mora com as crianças, não tem as mínimas condições de higiene. Os pequenos fazem suas necessidades fisiológicas na parede...Resultado: o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tirou as crianças dos pais.
Entretanto, o mundo está mesmo voltado para a renúncia do papa Bento XVI, e preso na expectativa do novo pontífice. Passa-se em revista o colégio dos cardeais, em busca de um provável escolhido. Gastam-se laudas e laudas de notícias e comentários, montam-se espetáculos de mídia. Países de terceiro mundo lá estão, no palco dos acontecimentos, anotando tudo o que se passa, desde o tamanho da batina do futuro papa ao cerimonial da troca de guardas da segurança do, agora, papa emérito Bento XVI.
A pompa e a solenidade da liturgia, os faustos do Vaticano, o culto (algumas vezes doentio) da pessoa do papa, que começa no cerimonial e vai aos arroubos da multidão, não escapa das lentes, das câmeras, das chamadas de capa de jornais e revistas. Jorram rios de dinheiro para pagar a notícia.
Minutos depois de haver tomado o rumo de Castel Gandolfo o helicóptero que levava o papa demissionário, emergia no “facebook” a manchete de La Repubblica: “o voo do papa sobre a Roma pobre e louca”. E os comentários não se fizeram esperar. Aos invés das lágrimas e da desolação dos que acompanhavam com olhos aflitos a pequena aeronave, começaram a pipocar, na rede, insultos, palavras de baixo calão, ironias, indignação e revolta, levantes da alma pela impertinência da desigualdade. Imprecações que não vinham do oriente, mas dali, da Itália mesmo, revelando que lá o papa e a Igreja Católica não reunem unanimidade. Só não traduzo, para não me comprometer com os palavrões:
“Prendi l'autobus invece dell'elicottero e paga l'imu, li mortacci...”; “giustamente in elicottero, complimenti per il rispetto, ma vaffanculo vah!”; “oh vecchio, qua non ti vogliamo.”; “a bordo di un elicottero della Repubblica Italiana pagato pure dai soldi di chi non crede in lui!!! Bella demagogia!”; “è asceso in cielo”; “mah chi se ne frega, ci sono problemi così seri che non so come faccia la gente a pensare a lui che non ha mai fatto un cazzo in tutta la sua vita... fossi nata uomo avrei studiato teologia anche io così almeno arrivavo a 85 anni in salute, con la pancia piena e la domestica in casa”; “Gesù andava in giro con gli asini”; “evviva, il papa non c'è più”; .
Assim são os animais humanos.
Lá temos a miséria física e moral daqueles pais que, tratados pela Justiça como meros procriadores, perderam o direito de paternidade. Ali, a revolta incontida dos maltratados pela desigualdade na vida. Aqui, a rebuscada glória do homem que encarna  uma instituição imaginariamente divina, mas com uma história conspurcada por violência,  luxúria e  ambição.
 É o mundo, mostrando que a injustiça da vida impede os humanos de merecerem o tratamento linear de seres dignos. Poucos se dão conta de que,  no fim, todos se desfazem como pão ensopado. Ou, se desfariam: o pobre é devorado pelos vermes e papa, embalsamado, vira santo.




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