A
POLÍCIA NO PÓDIO
João
Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
Foi como
se tivesse desabado o mundo sobre Santa Maria, a partir daquela madrugada de 27
de janeiro passado, quando um manto de fumaça sufocou o último suspiro de mais
de duzentos jovens dentro de uma boate.
Nunca, em
sua história, a cidade havia sido foco de tanta atenção. Emissoras de televisão
e rádio estabeleceram lá seu quartel general, colhendo notícias para todo o
planeta. Choveram microfones, câmeras e potentes máquinas fotográficas. E os
delegados de polícia tinham o mundo a seus pés para falarem, ao vivo e a cores,
sobre o inquérito que haviam instaurado.
O clima
então foi aproveitado para emprestar àquele procedimento policial a mesma dimensão
da tragédia que abalou a cidade, o estado, o país, e espalhou comoção no mundo
inteiro.
Quer
dizer, a polícia daquela cidade quis também para si o destaque que a imprensa
deu à tragédia. O inquérito policial, de um ato rotineiro, burocrático,
sigiloso por ordem do art. 20 do Código de Processo Penal e atrelado às
técnicas de investigação que é, foi transformado em espetáculo de mídia. Uma coisa simples,
mas que rende notícia. Uma boa
oportunidade para mostrar que a polícia existe. Sim, a polícia que, o mais das
vezes, é ignorada pelos cidadãos que pagam por uma ficção a que o estado chama
de segurança.
Depois de uma “maquete tridimensional” e dos palpites de um
procurador americano que certamente veio ensinar que fogo queima e fumaça
asfixia, agora o espetáculo vai para seu “gran finale”.
Já foi requisitado um salão da Universidade Federal de Santa
Maria, para a solenidade de conclusão do inquérito. Vai haver discursos, pompa
e circunstância. A polícia vai subir num pódio construído pela morte, para
receber o seu troféu. Talvez só não venha a banda, por solidariedade aos
bombeiros, ameaçados de processo, por não terem equipamento, nem efetivo
suficiente.
Não é a primeira vez que se armam espetáculos circenses, em
Santa Maria, para que servidores cumpram seu dever funcional. Há coisa de quatro anos uma juíza pontificou
na mídia em espetáculo semelhante, com câmeras, microfones, holofotes,
teleobjetivas e todos os recursos do gênero, para receber uma denúncia – ato
corriqueiro que os juízes praticam todos os dias. Só que o enredo perdeu a
força, e a atriz principal teve que sair de fininho pela porta dos fundos do
teatro.
Será que a lição não serviu para os delegados de polícia?
Não. Não é por aí. O furo é mais em baixo: a campanha eleitoral para a reeleição do Tarso passa pelo delegado regional de Santa Maria.
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