quinta-feira, 21 de março de 2013


A POLÍCIA NO PÓDIO

João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

Foi como se tivesse desabado o mundo sobre Santa Maria, a partir daquela madrugada de 27 de janeiro passado, quando um manto de fumaça sufocou o último suspiro de mais de duzentos jovens dentro de uma boate.
Nunca, em sua história, a cidade havia sido foco de tanta atenção. Emissoras de televisão e rádio estabeleceram lá seu quartel general, colhendo notícias para todo o planeta. Choveram microfones, câmeras e potentes máquinas fotográficas. E os delegados de polícia tinham o mundo a seus pés para falarem, ao vivo e a cores, sobre o inquérito que haviam instaurado.
O clima então foi aproveitado para emprestar àquele procedimento policial a mesma dimensão da tragédia que abalou a cidade, o estado, o país, e espalhou comoção no mundo inteiro.
Quer dizer, a polícia daquela cidade quis também para si o destaque que a imprensa deu à tragédia. O inquérito policial, de um ato rotineiro, burocrático, sigiloso por ordem do art. 20 do Código de Processo Penal e atrelado às técnicas de investigação que é, foi transformado em espetáculo de mídia. Uma coisa simples, mas que  rende notícia. Uma boa oportunidade para mostrar que a polícia existe. Sim, a polícia que, o mais das vezes, é ignorada pelos cidadãos que pagam por uma ficção a que o estado chama de segurança. 
Depois de uma “maquete tridimensional” e dos palpites de um procurador americano que certamente veio ensinar que fogo queima e fumaça asfixia, agora o espetáculo vai para seu “gran finale”.
Já foi requisitado um salão da Universidade Federal de Santa Maria, para a solenidade de conclusão do inquérito. Vai haver discursos, pompa e circunstância. A polícia vai subir num pódio construído pela morte, para receber o seu troféu. Talvez só não venha a banda, por solidariedade aos bombeiros, ameaçados de processo, por não terem equipamento, nem efetivo suficiente. 
Não é a primeira vez que se armam espetáculos circenses, em Santa Maria, para que servidores cumpram seu dever funcional.  Há coisa de quatro anos uma juíza pontificou na mídia em espetáculo semelhante, com câmeras, microfones, holofotes, teleobjetivas e todos os recursos do gênero, para receber uma denúncia – ato corriqueiro que os juízes praticam todos os dias. Só que o enredo perdeu a força, e a atriz principal teve que sair de fininho pela porta dos fundos do teatro.
Será que a lição não serviu para os delegados de polícia?
Não. Não é por aí. O furo é mais em baixo: a campanha eleitoral para a reeleição do Tarso passa pelo delegado regional de Santa Maria.



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