segunda-feira, 4 de março de 2013


RIMA POBRE DÁ CADEIA

João Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com

Alegando a necessidade de garantia da ordem pública, a polícia de Santa Maria pediu a prisão preventiva de dois músicos e dos dois donos da boate Kiss, onde a fumaça e o fogo, numa noite de festa, mataram 240 jovens.
A prisão preventiva – diz o artigo 312 do Código de Processo Penal -  poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Agora leiam a seguinte poesia:
O fato foi extremamente grave. Comoveu o planeta. Os olhos do mundo focaram Santa Maria. O Planeta chorou. Do Oiapoque ao Chui, de um Polo a outro do planeta. Todos ficaram consternados com o que aconteceu no dia 27 de janeiro do ano em curso. Sem dúvida que a ordem pública ficou abalada e deve ser garantida.
Pergunto eu: essa poesia tem algo a ver com o artigo 312 do Código de Processo Penal? Ordem pública rima com “choro”? Ou será que o juiz quis rimar “abalada” com “balada”, mas perdeu o rumo?
Ou o seguinte texto:
A comunidade sente o peso do evento, o que não pode ser desconsiderado. O Direito não é uma regra de alguns, é a regra de todos. Uma situação desse porte, avassaladora, é a tradução perfeita da afronta à ordem pública.
Por favor, fechem os olhos para as feridas no vernáculo, que foram produzidas, sem piedade, pelo juiz. De certo, no concurso que ele prestou, não se exige língua portuguesa. Ou os examinadores conhecem menos o vernáculo do que os examinados.
Mal temos espaço para a exegese do artigo 312 do CPP.
 Para o juiz, “a ordem pública ficou abalada”, porque o “Planeta (assim, com letra maiúscula. De certo Sua Excelência estava pensando no Planeta Atlântida) chorou”, se comoveu, e porque “todos ficaram consternados”.
Talvez pensando na insuficiência do argumento do choro e da consternação, o comovido magistrado botou o “peso do evento” em cima da comunidade. Pronto, aí estava uma “situação avassaladora”, traduzindo “afronta à ordem pública”. Repito: “afronta”- substantivo que não existe no texto do artigo 312.
Sua Excelência deve ter lido muitos jornais, assistido a muita televisão, para assumir o sentimento de todo “o Planeta”. E foi com base nesse sentimento que ele decidiu prender os causadores da desordem anímica dele e de toda a humanidade, da qual o meritíssimo se acha representante.
Só uma coisa – e justamente principal – ficou o juiz devendo: o povo se revoltou, foi às ruas, houve atentados a pessoas e instituições, ninguém mais respeitou a lei, a bagunça dominou, o pau quebrou geral, a polícia ficou impotente, refém da desordem?
 Seria bom avisar ao juiz de Santa Maria que somente uma “situação” dessas é “avassaladora”  e “traduz” a desordem que, mais do que “afrontar”, compromete a ordem pública.


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