UMA ESTATÍSTICA PIEGAS
João
Eichbaum
Estudo publicado no jornal “O Estadão”
afirma que a perda que os jovens mortos na boate Kiss tiveram foi de doze mil
anos. Diz o artigo: A tristeza provocada
pelo incêndio da boate Kiss em Santa Maria é incomensurável para famílias e
amigos dos 239 mortos. Mas se há um número que se aproxima da dimensão da
tragédia é o de anos potenciais de vida perdidos naquela madrugada de 27 de
janeiro. Em poucos minutos, 12.412 anos que estavam pela frente das vítimas
perderam a possibilidade de serem vividos.
Entenderam? Ah, pois é.
Eu também não. Suponho que os autores do artigo, fizeram a soma, a partir dos
anos que cada vítima poderia ainda viver, e deram esse número para impressionar
a platéia.
Hipóteses, nada mais. Principalmente uma
hipótese idiota: a de que as vítimas vivessem num país de plena segurança, onde
ninguém morre assaltado, em acidente de trânsito, nem está sujeito a doenças
graves como o câncer. Sem falar em AIDS e outras coisas menores.
Mas, não é só isso. Lá
havia gente se divertindo e gente trabalhando, havia doutores
e havia estudantes, havia gente que ganhava pouco e havia gente que ganhava
nada.
Então, meus amigos,
essa estatística nada resolve: perdas não se padronizam.
Os que morreram trabalhando vão deixar para os
beneficiários a mísera pensão acidentária do seguro social. Os outros vão
discutir valores.
E a injustiça social
vai continuar depois da morte. Querem ver?
Vão me chamar de
sádico. Os familiares e amigos das vítimas vão me odiar. Mas, não sou sádico.
Sou realista.
O incêndio foi uma
coisa horrível? Claro que foi. Uma dor incomensurável. Ninguém diz o contrário.
Mas o que é que vamos fazer, se as pessoas que lá morreram escolheram esse tipo
de morte?
Sim, gente, sejamos realistas.
Só estavam lá por obrigação, levados a cabresto pelo destino, aqueles que
precisavam do emprego para viver. Esses, mais do que ninguém, são vítimas.
Vítimas do destino, vítimas da necessidade, vítimas da pobreza.
Vamos ser sinceros: o
cara vai com a namorada numa boate para se divertir?
Ora, gente, tem tanto
jeito melhor, e muito melhor, de se divertir. Ninguém me convence que, se
apertando numa boate, alguém se diverte.
Ora, vai num barzinho,
vai para um motel, vai para um clube, para um bailão, para um lugar arejado.
Olha que Santa Maria é um inferno de quente. Se amontoar daquele jeito, numa
noite horrível de verão, é modo de se divertir?
Se o cara estava a fim
de mulher, se a mocinha estava a fim de apostar na sorte de topar com um
príncipe encantado, tudo bem. A morte até que tem desculpa. Mas o que não tem
sentido é ir com a namorada para um inferno desses.
Não, por favor, me
entendam. Não estou culpando as vítimas, estou apenas dizendo que elas, as que
foram para lá em busca de diversão, escolheram esse jeito de morrer. Só isso.
A única verdade da vida
é a morte. Só que uns escolhem o modo de morrer. Jesus Cristo já dizia: quem
procura, acha.
Agora, façam o seguinte
raciocínio comigo: a morte da faxineira que não estava se divertindo, ganhava
salário mínimo e não era jovem, vai render X; a morte da menina que não
trabalhava, mas iria se formar em curso superior vai render X+Y; a morte do
doutor, que estava fazendo especialização, vai render X+Y+Z.
Então, por favor, vão
enganar outros com estatística condimentada à base de pieguice.
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