*ANTEQUAM
EAM EFFICIAS, LEGE LEGEM
João Eichbaum
A Lei 8.429/92, conhecida como lei da
improbidade administrativa, é uma colcha de retalhos, com remendos de direito
administrativo e um direito penal que não dá cadeia. Ela empresta roupagem de
crime a infrações administrativas, e roupagem de infração administrativa a
crimes, com uma indigência técnica de emburrecer bacharéis.
Os delegados de polícia de Santa Maria
querem aplicá-la para “indiciar” o prefeito, secretários e fiscais como
culpados pela tragédia da boate Kiss.
O Estatuto desdobra em três espécies o
elemento subjetivo caracterizador da infração, que redunda unicamente em
prejuízo do patrimônio público: a vantagem própria, (art.9º) a vantagem alheia,
(art.10) e o descumprimento de dever funcional (art.11). Alimentada por esse
elemento subjetivo, a conduta do agente varia, com modulações já tipificadas
nas leis penais, com inexplicável “bis in idem”.
Resumindo: a Lei 8.429/92 tem em mira o
combate à desonestidade que causa prejuízo ao erário, dentro da própria
administração. Só isso. Nada mais. A vítima das infrações previstas na referida
lei só tem uma cara, e é incorpórea: a Fazenda Pública.
É isso que qualquer jurista bem informado
recolhe do texto:
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer
agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou
de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão
punidos na forma desta lei.
Parágrafo
único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja
criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta
por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a
sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres
públicos.
Como se vê, a parte final do parágrafo
único acentua a restrição do campo de incidência da lei, que é o patrimônio
público. Se do ato de improbidade ou da omissão de ato de ofício resultar danos de natureza privada, a Lei 8.429/92 é inaplicável. Quer dizer, a chamada lei
de improbidade administrativa não serve de instrumento, quer para a apuração,
quer para atribuição de responsabilidade por danos privados.
Essa restrição também contamina a área de competência
do procedimento. Por ser uma lei de caráter administrativo-penal, a fase
preliminar de investigação não é de competência das autoridades policiais. Seu
artigo 14 atribui a investigação à autoridade administrativa, que deve ser
provocada.
A autoridade policial só têm competência para agir de
ofício dentro do Direito Penal. Em se tratando de direito administrativo, sua
competência se restringe às questões internas da própria instituição. O trabalho da polícia judiciária não pode
sair das lindes do Direito Penal, salvo por requisição do Ministério Público
(art.22).
A chamada lei de improbidade administrativa é uma lei cheia de defeitos, mas só uma
artificialidade mental encontrará nela o que ela não diz.
* “Lê a lei, antes de aplicá-la”
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