quarta-feira, 20 de março de 2013


*ANTEQUAM EAM EFFICIAS, LEGE  LEGEM

João Eichbaum

A Lei 8.429/92, conhecida como lei da improbidade administrativa, é uma colcha de retalhos, com remendos de direito administrativo e um direito penal que não dá cadeia. Ela empresta roupagem de crime a infrações administrativas, e roupagem de infração administrativa a crimes, com uma indigência técnica de emburrecer bacharéis.
Os delegados de polícia de Santa Maria querem aplicá-la para “indiciar” o prefeito, secretários e fiscais como culpados pela tragédia da boate Kiss.
O Estatuto desdobra em três espécies o elemento subjetivo caracterizador da infração, que redunda unicamente em prejuízo do patrimônio público: a vantagem própria, (art.9º) a vantagem alheia, (art.10) e o descumprimento de dever funcional (art.11). Alimentada por esse elemento subjetivo, a conduta do agente varia, com modulações já tipificadas nas leis penais, com inexplicável “bis in idem”.
Resumindo: a Lei 8.429/92 tem em mira o combate à desonestidade que causa prejuízo ao erário, dentro da própria administração. Só isso. Nada mais. A vítima das infrações previstas na referida lei só tem uma cara, e é incorpórea: a Fazenda Pública.
É isso que qualquer jurista bem informado recolhe do texto:
 Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Como se vê, a parte final do parágrafo único acentua a restrição do campo de incidência da lei, que é o patrimônio público. Se do ato de improbidade ou da omissão de ato de ofício resultar  danos de natureza privada, a Lei 8.429/92 é inaplicável. Quer dizer, a chamada lei de improbidade administrativa não serve de instrumento, quer para a apuração, quer para atribuição de responsabilidade por danos  privados.
Essa restrição também contamina a área de competência do procedimento. Por ser uma lei de caráter administrativo-penal, a fase preliminar de investigação não é de competência das autoridades policiais. Seu artigo 14 atribui a investigação à autoridade administrativa, que deve ser provocada.
A autoridade policial só têm competência para agir de ofício dentro do Direito Penal. Em se tratando de direito administrativo, sua competência se restringe às questões internas da própria instituição.  O trabalho da polícia judiciária não pode sair das lindes do Direito Penal, salvo por requisição do Ministério Público (art.22).
A chamada lei de improbidade administrativa é  uma lei cheia de defeitos, mas só uma artificialidade mental encontrará nela o que ela não diz.
* “Lê a lei, antes de aplicá-la”



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