segunda-feira, 25 de março de 2013


  “TATHERRSCHAFTSLEHRE”
João Eichbaum

Calma lá. Não é palavrão. Se bem que, na boca de algum bípede falante que não sabe o que diz, pode se transformar em blasfêmia jurídica. Mas, desossando o alemão, é o seguinte: “teoria do dominío do fato”.
Trato do tema porque agora está em moda a “aplicação” da referida teoria, mesmo por quem não tenha a mais nua idéia dos fundamentos que levaram o jurista alemão Claus Roxin a desenvolvê-la.
 Já era sabido que isso iria acontecer, porque o mau exemplo veio de cima. Ministros do Supremo a aplicaram, tomando culpa objetiva por “domínio do fato”, ou seja, confundindo o reto com as têmporas. E, por não terem intimidade com o idioma do doutrinador, ficaram na moita quando o próprio Claus Roxin, em entrevista à Folha de São Paulo, declarou que sua teoria tinha sido aplicada incorretamente.
Agora espalha-se por aí que, em busca de glória, os delegados de polícia de Santa Maria,funcionários públicos incumbidos de trabalhar mais com o fato do que com o Direito, estão “aplicando” a teoria de Claus Roxin em “crimes culposos”.
Ora, ora. Não sou professor de coisa nenhuma mas, diante dessa blasfêmia jurídica, fico obrigado a lecionar: “Tatherrschaft ist ein Begriff aus der strafrechtlichen Tatherrschaftslehre, die zur Abgrenzung von Tatherrschaft und Teilnahme heranzgezogen wird. Täter ist, wer die Tat beherrscht, ihren Ablauf in den Händen hält und über das Ob und das Wie der Tat maßgeblich entscheiden kann; kurz: "die Zentralgestalt des Geschehens ist". Teilnehmer ist wer das Ob und Wie der Tat vom Willen eines anderen Abhängig macht und damit ohne eigene Tatherrschaft die Tat veranlaßt oder fördert”.
Desculpem se, com essa citação, tiro o interesse pelo texto. Mas ela é necessária para mostrar que só o conhecimento do idioma de Goethe autoriza a interpetação da “teoria do domínio do fato”. O texto acima, definindo, no idioma original, a doutrina de Claus Roxin, revela que duas são as vigas mestras de sua construção: a autoria e a participação, a existência de um mandante (chefe) e de outrem, (a palavra Teilnehmer aqui não pode ter tradução literal) que obedece às ordens do primeiro. Aquele é a “figural central do acontecimento”, diz o texto no original, a pessoa que determina se (ob) e como (wie) se define a ação criminosa. O outro pratica a ação na dependência do primeiro.
Então, deve haver uma ação criminosa em perspectiva, uma ação definida por seus fins e objetos, que não prescindem da vontade (“Willen”, diz o texto original).
Ora, dentro desse contexto não se pode cogitar de crime “culposo”, em cuja configuração não encontra lugar a “voluntas sceleris”, “der Willen”, a vontade de cometer o delito. Essa só gera o crime doloso.
Nessa vesga interpretação, que estende a “teoria do domínio do fato” à culpa “stricto sensu”, o proprietário de uma empresa de transporte  seria denunciado por crime de homicídio culposo, todas as vezes que motoristas, por ele contratados, provocassem a morte de alguém em acidente de trânsito.
Tal absurdo, de trincar os ossos, só pode ser explicado pelo transporte da culpa objetiva do Direito Civil para dentro do Direito Penal. Bem ao jeito do bípede falante que confunde o reto com as têmporas.



Nenhum comentário: