“TATHERRSCHAFTSLEHRE”
João Eichbaum
Calma
lá. Não é palavrão. Se bem que, na boca de algum bípede falante que não sabe o
que diz, pode se transformar em blasfêmia jurídica. Mas, desossando o alemão, é
o seguinte: “teoria do dominío do fato”.
Trato
do tema porque agora está em moda a “aplicação” da referida teoria, mesmo por
quem não tenha a mais nua idéia dos fundamentos que levaram o jurista alemão
Claus Roxin a desenvolvê-la.
Já era sabido que isso iria acontecer, porque o mau exemplo veio de
cima. Ministros do Supremo a aplicaram, tomando culpa objetiva por “domínio do
fato”, ou seja, confundindo o reto com as têmporas. E, por não terem intimidade
com o idioma do doutrinador, ficaram na moita quando o próprio Claus Roxin, em
entrevista à Folha de São Paulo, declarou que sua teoria tinha sido aplicada incorretamente.
Agora espalha-se por aí que,
em busca de glória, os delegados de polícia de Santa Maria,funcionários
públicos incumbidos de trabalhar mais com o fato do que com o Direito, estão
“aplicando” a teoria de Claus Roxin em “crimes culposos”.
Ora, ora.
Não sou professor de coisa nenhuma mas, diante dessa blasfêmia jurídica, fico
obrigado a lecionar: “Tatherrschaft ist ein Begriff aus der strafrechtlichen
Tatherrschaftslehre, die zur Abgrenzung
von Tatherrschaft
und Teilnahme heranzgezogen wird. Täter
ist, wer die Tat beherrscht, ihren Ablauf in den Händen hält und über das Ob
und das Wie der Tat maßgeblich entscheiden kann; kurz: "die Zentralgestalt
des Geschehens ist". Teilnehmer ist wer das Ob
und Wie der Tat vom Willen eines anderen Abhängig macht und damit ohne eigene
Tatherrschaft die Tat veranlaßt oder fördert”.
Desculpem se, com essa citação, tiro o
interesse pelo texto. Mas ela é necessária para mostrar que só o conhecimento
do idioma de Goethe autoriza a interpetação da “teoria do domínio do fato”. O
texto acima, definindo, no idioma original, a doutrina de Claus Roxin, revela que
duas são as vigas mestras de sua construção: a autoria e a participação, a existência
de um mandante (chefe) e de outrem, (a palavra Teilnehmer aqui não pode ter
tradução literal) que obedece às ordens do primeiro. Aquele é a “figural
central do acontecimento”, diz o texto no original, a pessoa que determina se
(ob) e como (wie) se define a ação criminosa. O outro pratica a ação na
dependência do primeiro.
Então, deve haver uma ação criminosa em
perspectiva, uma ação definida por seus fins e objetos, que não prescindem da
vontade (“Willen”, diz o texto original).
Ora, dentro desse contexto não se pode
cogitar de crime “culposo”, em cuja configuração não encontra lugar a “voluntas
sceleris”, “der Willen”, a vontade de cometer o delito. Essa só gera o crime
doloso.
Nessa vesga interpretação, que estende a
“teoria do domínio do fato” à culpa “stricto sensu”, o proprietário de uma
empresa de transporte seria denunciado
por crime de homicídio culposo, todas as vezes que motoristas, por ele
contratados, provocassem a morte de alguém em acidente de trânsito.
Tal absurdo, de trincar os ossos, só pode
ser explicado pelo transporte da culpa objetiva do Direito Civil para dentro do
Direito Penal. Bem ao jeito do bípede falante que confunde o reto com as
têmporas.
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