ESTADO ESTIMULA ANALFABETIZAÇÃO
JANER CRISTALDO
JANER CRISTALDO
É espantoso ver o Estado, deliberadamente, tentando analfabetizar os jovens. A tolerância do ENEM para com erros graves de grafia é a mais cabal prova disto. O interesse é maquiar o resultado do exame, para ocultar seu fracasso. Mas isto nada tem de novo. Desde há muito, as universidades baixaram a vara para não perder clientela. Nos anos 70, corria uma piada em Porto Alegre. Quem conseguisse ser reprovado em um vestibular da Unisinos, ganhava um Fusca de brinde.
Há bem mais de trinta anos, quando ainda cronicava em Porto Alegre, manifestei minha perplexidade ante os conhecimentos de matemática, na época, de funcionários que tinham por trabalho lidar com elementares operações de adição e subtração: “E fui ao correio postar uma carta. E perguntei à funcionária quanto pagaria em selos. E ouvi vinte cruzeiros como resposta. E paguei os vinte. E levei a carta para registro. E a outra funcionária me informou que eram 31 cruzeiros. E voltei ao guichê anterior para pagar o restante. E vi a moça manipular uma calculadora eletrônica. E vi registrar 31. E calcar a tecla de subtração. E depois 20. E vi a moça ler no visor: 11. Perplexo, paguei os 11”.
Anos mais tarde, quando lecionava na UFSC, voltei a tomar contato com esta miséria intelectual. Seguidamente tomava alguma cerveja com minhas aluninhas. Elas se espantavam com minha facilidade em calcular conta e troco. Suspeitando de algo errado, interroguei-as sobre a tabuada. Ninguém sabia somar ou subtrair, multiplicar ou dividir, sem uma maquininha. Ou seja, aquelas noções elementares de aritmética que adquiri já no primário, elas, na universidade, desconheciam. Justo nestes dias, conversando com as enfermeiras que me atendem, descobri que pessoas na faixa dos 40, 45 anos, desconhecem a tabuada. Quem hoje a conhece causa espécie, como se fosse pessoa culta.
Quanto aos conhecimentos de português, estes continuam de “mau” a pior, como diriam minhas alunas. Seguidamente tropeço, mesmo em jornais de porte do país, esta confusão entre mal e mau. Pelo jeito, está cada vez mais difícil distinguir o “l” do “u”. Já li cardápios anunciando fraudinhas. Ora, fraudinha é como o Zé Dirceu ou o Delúbio definiriam suas fraudes. Fraldinha é outra coisa. O analfabetismo parece ter contaminado até o clero. Há alguns séculos, eram pessoas que dominavam o latim. Hoje, desconhecem o vernáculo. Numa igrejinha do interior catarinense, li escrito numa cruz:
SAUVA TUA AUMA
Há três anos, li numa decisão judicial: “cujo o”. Ou seja, o analfabetismo está invadindo o Judiciário. Este erro tem sido recorrente no jornalismo contemporâneo, feito por esses meninos dos quais se exige diploma em jornalismo para exercer a profissão. Há professores que defendem a tese do não ensino desse pronome nas aulas de português, por tratar-se de um "brontossauro linguístico". Ou seja, se os tais de jovens não conseguem mais usar uma norma lingüística, extinga-se a norma.
O mal vem de longe. A Lei de Diretrizes e Bases facultou às escolas, em 1996, a adoção do "Regime de Progressão Continuada", medida saudada como "histórica", "revolucionária" e "emocionante". Pelo novo regime, os alunos entram nas escolas de ensino secundário e não podem mais ser reprovados. Ao final de sete anos, saem obrigatoriamente de diploma em punho. São Paulo disputou a honra do pioneirismo na aplicação do brilhante achado. Dados os altos índices de reprovação nas redes municipais, o dispositivo caía como uma luva para zerar estes índices. Em 1998, a progressão continuada tornou-se modelo estadual.
Ainda hoje, escreveu-me o leitor Benhur Antonio:
“E agora, o que é que vou dizer lá em casa, aos meus filhos, familiares e amigos, a quem transmito a rigorosidade da boa comunicação, baseada na linguagem? Coloco tudo no lixo, juntamente com as pretensas técnicas modernosas de preconizada aproximação entre o culto e o popular, e mantenho a minha cristalização virtuosa, aguardando novos tempos, ou, simplesmente, perpetro a adesão a esses desvios comportamentais, a essa adesão ao erro, porquê fácil, e passo à louvação dos apedeutas e dos analfabetos funcionais, estes que não conseguem ver o contexto, preparatório do futuro da civilização brasileira?”
Continue sendo rigoroso, meu caro Benhur. Quanto mais analfabetos tiver o país, mais necessários serão os que sabem escrever. O sistema legal, jornais, editoras, bancos, hospitais e muitas outras instituições precisam de bons redatores. Uma professora aqui de Higienópolis oferece um curso de redação. Já não dá conta dos alunos que recebe, entre eles pessoas egressas da universidade.
Tenho uma amiga na faixa dos 50, com curso superior, que se desespera por não dominar o vernáculo. Ou seja, a deficiência do ensino não é de hoje. Se antes esta deficiência era acidental, hoje foi oficializada pelo governo.
Há três anos, li numa decisão judicial: “cujo o”. Ou seja, o analfabetismo está invadindo o Judiciário. Este erro tem sido recorrente no jornalismo contemporâneo, feito por esses meninos dos quais se exige diploma em jornalismo para exercer a profissão. Há professores que defendem a tese do não ensino desse pronome nas aulas de português, por tratar-se de um "brontossauro linguístico". Ou seja, se os tais de jovens não conseguem mais usar uma norma lingüística, extinga-se a norma.
O mal vem de longe. A Lei de Diretrizes e Bases facultou às escolas, em 1996, a adoção do "Regime de Progressão Continuada", medida saudada como "histórica", "revolucionária" e "emocionante". Pelo novo regime, os alunos entram nas escolas de ensino secundário e não podem mais ser reprovados. Ao final de sete anos, saem obrigatoriamente de diploma em punho. São Paulo disputou a honra do pioneirismo na aplicação do brilhante achado. Dados os altos índices de reprovação nas redes municipais, o dispositivo caía como uma luva para zerar estes índices. Em 1998, a progressão continuada tornou-se modelo estadual.
Ainda hoje, escreveu-me o leitor Benhur Antonio:
“E agora, o que é que vou dizer lá em casa, aos meus filhos, familiares e amigos, a quem transmito a rigorosidade da boa comunicação, baseada na linguagem? Coloco tudo no lixo, juntamente com as pretensas técnicas modernosas de preconizada aproximação entre o culto e o popular, e mantenho a minha cristalização virtuosa, aguardando novos tempos, ou, simplesmente, perpetro a adesão a esses desvios comportamentais, a essa adesão ao erro, porquê fácil, e passo à louvação dos apedeutas e dos analfabetos funcionais, estes que não conseguem ver o contexto, preparatório do futuro da civilização brasileira?”
Continue sendo rigoroso, meu caro Benhur. Quanto mais analfabetos tiver o país, mais necessários serão os que sabem escrever. O sistema legal, jornais, editoras, bancos, hospitais e muitas outras instituições precisam de bons redatores. Uma professora aqui de Higienópolis oferece um curso de redação. Já não dá conta dos alunos que recebe, entre eles pessoas egressas da universidade.
Tenho uma amiga na faixa dos 50, com curso superior, que se desespera por não dominar o vernáculo. Ou seja, a deficiência do ensino não é de hoje. Se antes esta deficiência era acidental, hoje foi oficializada pelo governo.
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