Paulo Wainberg
Na frente da Caverna Grrr, o caçador, reclamava com veemência de Croq, artesão e o intelectual da Tribo. Algo a ver com a empunhadura fina e a pouca consistência nuclear do tacape que encomendara.
Sem mais delongas e para provar logo seu ponto, desferiu violenta cacetada na cabeça de Croq que sequer cambaleou. O tacape partiu-se ao meio mostrando que Grrr, afinal de contas, tinha razão.
Pensativo, Croq coçou a mandíbula com a garra do mindinho do pé esquerdo, tentando descobrir qual o ponto falho de sua moderna concepção de tacapes. Afinal fora dele a idéia de afinar o punho, alongando lentamente a espessura, para facilitar a Grrr e outros caçadores o modo de segurar o tacape na hora de desferir o golpe contra o tigre de bengala, um tiranossauro rex ou uma tartaruga. Em algum momento do projeto errara nos cálculos.
E agora, diante de um Grrr enfurecido, como explicar-se? De que modo poderia indenizar o caçador e o resto da Tribo pelas perdas e danos e lucros cessantes que seu equívoco causara? Porque, sem dúvida, a ira de toda a Caverna desabaria sobre ele e de nada adiantaria lembrar a seus patrícios que ele havia descoberto como dominar o fogo e que, graças à sua arte, a saga triunfal do clã estava indelevelmente gravada nas paredes, para toda a eternidade.
Todas as honrarias recebidas no vernissage de lançamento dos desenhos de mamutes e bizontes seriam esquecidas e o mínimo que podia esperar pelo fracasso era o exílio, o desterro, a perda dos direitos políticos, além do deboche e do escárnio.
Grrr esmurrava o próprio peito, exigindo explicações, quando Croq teve uma epifania, a inspiração salvadora que não apenas o tirou daquele constrangimento como condicionou os rumos da evolução do Homo Sapiens até os dias atuais.
Olhou candidamente para Grrr que se esmurrava, grunhia, e pulava à sua frente, numa perfeita imitação de macaco, e declarou: “nada neste mundo é perfeito”.
Deu as costas e voltou ao interior da Caverna onde refez seus cálculos, desenhos e projetos e apresentou a Grrr, meses depois, o tacape perfeito que assegurou a sobrevivência da Tribo e deu a Grrtz, o Guardião, a idéia de atacar as tribos vizinhas, usando o tacape como arma de guerra. Em pouco tempo a Tribo expandiu-se, escravizando as vizinhas e transformando a Caverna na maior potência mundial da época.
Ao receber das mãos de Croq o novo tacape, Grrr experimentou o artefato tal como fizera na vez anterior, desferindo potente cacetada na cabeça de Croq. Desta vez produziu-se o efeito desejado e o corpo de Croq alimentou boa parte da tribo, durante o inverno.
Entretanto a frase “nada neste mundo é perfeito” repetiu-se boca a boca por gerações e gerações e, quanto mais evoluía a Humanidade, mais se convencia da verdade contida naquelas palavras. Mais e mais pessoas usaram-nas para justificar fracassos, erros, esquecimentos, traições, impotência e falta de orgasmos.
Milhões de anos após, uma única coisa desafiava a inteligência humana: se nada neste mundo é perfeito, como explicar o domingo? Sim, porque domingo era o dia perfeito, dia de acordar tarde, não ter compromisso nem trabalho, dia destinado ao lazer absoluto, sem restrições ou imposições.
Obviamente aquilo não podia continuar assim. Urgia que algo fosse feito para extinguir a exceção que afrontava a norma – nesses tempos já com conteúdo divino.
Quebraram a cabeça os luminares da ciência, da fé e da filosofia até que um deles, assim como ocorrera com o remoto Croq, teve sua epifania, a revelação da verdade e a solução para o drama: Criou a segunda-feira, destinada única e exclusivamente a estragar o domingo ou, pelo menos, o final do domingo.
Os entardeceres dominicais, antes tão saboreados, tornaram-se fonte de apreensão, desânimo e até depressão, ante à iminência da segunda-feira, restabelecendo-se a plenitude do conceito original: nada neste mundo é perfeito.
A segunda-feira não é exatamente um dia. Funciona mais como uma espécie de ameba gigante, um imenso glóbulo branco rastejante que se insinua em nossos corações no domingo à noite e vai se expandido, tomando conta de tudo e de todos.
A segunda-feira não passa, arrasta-se.
Cada minuto dura duas horas, cada hora dois dias, a manhã é lenta, a tarde não deslancha e quando finalmente vem a noite não sobra forças nem para um suspiro de alívio, tudo o que se quer é desabar.
Segunda feira de noite nada estréia, nada acontece, restaurantes fecham, bares não abrem, clubes se escondem, a cinema não se vai e teatro? Nem pensar.
Estamos diante de um legítimo qui pro quo desde que inventamos esse dia atormentador.
Tenho refletido na procura de soluções, novos rumos, caminhos alternativos, opções diferenciadas, qualquer coisa que altere nossa sina semanal de, após cada domingo, nos defrontarmos com uma segunda-feira.
A primeira idéia que me ocorreu foi acabar com os domingos. Não é lógico? Se as segundas-feiras foram criadas para estragar os domingos, eliminando os domingos as segundas-feiras vão estragar o que?
E por aí me fui, investindo tempo e todo o meu dinheiro na interminável pesquisa, cada linha do emaranhado me conduzindo ao mesmo ponto final: o cataclismo universal, o derradeiro Bang extinguindo todos e tudo, inclusive as segundas feiras.
Concluí que está além das minhas forças, não há nada que eu possa fazer. O jeito é dar um jeito, um jeitinho brasileiro, mudar o enfoque, a visão da coisa, entende?
Por exemplo, considerar que segunda-feira é um ótimo dia porque está a uma semana da próxima. Transformar o domingo num dia tão ruim, tão chato e horrível que a segunda-feira se transforme numa bênção. Não sair de casa na segunda e começar a semana apenas na terça. Mudar o nome de segunda para primeira-feira, entrar num bar de manhã e só sair à meia-noite, fazer análise durante dez anos para entender o problema, fazer massagem linfática seja lá o que for isso, ir a missa, visitar uma tia-avó que há anos não vê.
Outra hipótese é não dormir domingo à noite. Fique acordado e não terá o dissabor de despertar com uma enorme segunda-feira pela frente. E como não dormiu talvez nem precise escovar os dentes e tomar banho. Um bom truque é vestir, no domingo, a roupa que vai usar na segunda, emende um dia no outro, compreendeu? É uma forma de não dar chances ao azar.
Faça um curso de bloqueio mental com algum hindu e transforme-se num zumbi às segundas-feiras. Vá trabalhar mas não faça nada o dia inteiro e deixe tudo para a terça.
Enfim, como diz o outro, são infindáveis possibilidades de conviver com a epidemia, aceitar os fatos da vida, inclusive que papai e mamãe são casados.
Ou adote uma postura radical e definitiva: Nunca mais pense nesse assunto. E se conseguir, me avise.
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