Janer Cristaldo
Melhor ser feliz em uma cidade linda pagando barato do que ser feliz em uma cidade feia pagando caríssimo, escrevia eu ontem. Modo de dizer. Porque felicidade é coisa que não me preocupa. É algo muito subjetivo, dizia. Há quem se sinta feliz porque seu time é campeão, outros porque compraram um carro do ano e outros porque a filha casou. Para começar, não saberia definir o que é a tal de felicidade.
Ano passado, escrevi sobre o Butão, aquele pequeno país isolado no Himalaia, cujo rei, Sua Majestade Jigme Singye Wangchuck – o primeiro marajá da dinastia dos Wangchuk a auto-intitular-se rei – decidiu abandonar os obsoletos índices de Produto Interno Bruto e substitui-lo por um índice de Felicidade Interna Bruta. Abaixo o PIB, viva a FIB. Sua jogada de marketing parece ter agradado às eternas e azedas esquerdas, que acham que PIB não quer dizer nada. Não que acreditem nisso, mas como o PIB das nações capitalistas sempre foi superior ao das socialistas, então o PIB “é do mal”. Já o FIB “é do bem”.
Segundo pesquisa feita há cinco anos pelo economista britânico Richard Layard, em Happiness: Lessons From a New Science, a felicidade residiria no reino budista do Butão. Segundo Jigme Singye Wangchuck, quanto mais uma pessoa assiste televisão, menos feliz ela é. A solução então é simples: retire a televisão da sala e suas chances de ser feliz aumentarão. Sua Majestade parece ter conseguido vender ao Ocidente a idéia de que, para a felicidade geral das nações, é melhor renunciar ao presente e encerrar-se nas trevas do passado. Sob o repúdio à televisão, o livro esconde uma tese safada: informação é infelicidade. Não que eu veja a televisão como conditio sine qua non da felicidade. Mas, bem ou mal, televisão traz informação.
Seria a felicidade uma espécie de nirvana, um estado de repleção no qual não há mais nada a desejar? Se for assim, não me serve. No dia em que não desejar mais nada na vida, estou pronto para partir. Por enquanto, desejo muito. Há países que não conheço, bebidas que ainda não bebi, fjordes e rias pelos quais não naveguei, livros que ainda não li. Países que certamente não vou conhecer, bebidas que não beberei, fjordes pelos quais não vou navegar, livros que não lerei. Mas sempre resta a vontade. Esta vontade é o que impele a viver.
Informação é inimiga da felicidade. Há milhões de pessoas que sentem felizes imaginando que têm uma alma imortal e que, após a passagem, serão acolhidas pelo Criador nalgum paraíso situado sabe-se lá onde. Basta ler um pouco e a pessoinha descobre que não existe nem alma nem criador nem paraíso. É óbvio que nessa ocasião somos tomados por uma sensação de perda. Aconteceu comigo, lá pelos quinze anos. Ainda bem que foi em meus verdes anos e logo me recuperei do prejuízo. Quando deixei de crer nessas patacoadas, o mundo se abriu para mim com todas suas possibilidades.
Jamais me passou pela cabeça a idéia de ser feliz. Sentir-me bem comigo mesmo já me basta. Onde estiver, estou bem. Não freqüento ambientes que não me agradem. Muito menos pessoas de quem não gosto. Visitei, é verdade, países onde não me senti bem. Mas o saldo foi positivo: conheci o pior dos mundos e passei a valorizar ainda mais o melhor. Para bom aluno, mesmo uma experiência negativa é positiva. Há dois lugares em que não gostamos de estar, pensava eu quando jovem: na prisão e no hospital. A vida me ensinou que muitas vezes é muito bom estar no hospital. Há momentos em que hospital é o melhor lugar do mundo.
Acabo de ver, mais ou menos por acaso, um vídeo de Jorge Maranhão, no site avozdocidadão, analisando o artigo em que comentei a tal felicidade: http://www.youtube.com/watch?v=qN_bgFJ11aM . Maranhão considera que a felicidade é fruto do trabalho, ao contrário do que difundem as esquerdas, associando-a à acumulação de bens. Assino embaixo. Considero que trabalho, qualquer que seja, é o que nos une ao mundo. Claro que tudo depende do que se ambiciona. Eu não me sentiria bem sendo taxista ou barbeiro. (Certamente porque recebi muita informação). Mas gosto de ver meus taxistas ou barbeiro de bem com o mundo, exercendo um ofício que é bem mais necessário que o meu.
Não preciso mais trabalhar, mas trabalho. Me entediaria como uma ostra se não escrevesse diariamente este blog. Quanto ao mais, penso que não é preciso ser milionário para se viver bem. Uma certa grana é necessária, é verdade. Mas não muita. Quando jovem, sempre considerei dinheiro uma bobagem. Minhas necessidades eram mínimas. Certo dia, em um livro de Bernard Shaw, li uma frase que me chocou. Cito de memória, sem muita precisão: dinheiro é saúde, cultura, educação, requinte. Talvez não fosse exatamente esta a frase, mas seu sentido era este. Naqueles anos, eu era católico e a pobreza me encantava.
Há alguns anos, comentei o chamado Paradoxo de Easterlin. Em 1974, Richard Easterlin, economista que então lecionava na Universidade da Pensilvânia, publicou um estudo no qual argumentava que o crescimento econômico não necessariamente propiciava mais satisfação. As pessoas de países pobres, e isso não deve causar surpresa, se tornavam mais felizes quando passavam a ser capazes de arcar com o custo dos produtos cotidianos. Mas ganhos adicionais pareciam simplesmente redefinir os parâmetros. Para expressar a questão em termos cotidianos, ter um iPod não torna uma pessoa mais feliz, porque, quando ela o tem, passa a desejar um iPod Touch. A renda relativa - os ganhos de uma pessoa em comparação com os de pessoas que a cercam - importa bem mais que a renda absoluta, escreveu Easterlin.
Este paradoxo apontava para um instinto quase espiritual dos seres humanos de acreditar que o dinheiro não pode comprar felicidade. Na ocasião, na Brookings Institution, em Washington, dois jovens economistas, Betsey Stevenson e Justin Wolfers, concluíram - ó gênio! - que dinheiro tende a trazer felicidade, mesmo que não a garanta. A renda faria diferença. Após pesquisas conduzidas em todo o mundo, o instituto Gallup descobriu que o índice de satisfação é mais elevado nos países mais ricos. Os residentes desses países parecem compreender que vivem bastante bem, mesmo que não tenham um iPod Touch.
Essa agora! Pesquisar no mundo todo para concluir que ter dinheiro é bom. Em meus dias de jovem, a última coisa que me preocupava em minha vida era dinheiro. Sem conhecer mundo, minhas necessidades eram poucas. Tendo o de comer e o de beber, mais o carinho de uma mulher, a vida estava plena. Nos anos de universidade, vivi em pequenas kitchenetes e entre aquelas estreitas quatro paredes fazia minha vida. Não me queixo. Foi bom.
Hoje, tendo condições de ter um iPod ou iPad, não tenho nenhum dos dois. Posso ter carro de porte, mas detesto carros. Com carro não se vai longe. Se é para ir longe, começo por Cumbica.
Mas falava de quê? Ah, da tal de felicidade. Coisa de livros de auto-ajuda. Para mim, escrever e viajar, ler e ouvir boa música, conversar e beber com meus amigos, já está de bom tamanho.
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