sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SÃO PAULO QUER ANALFABETIZAR AINDA MAIS AS NOVAS GERAÇÕES

Janer Cristaldo

Há bem mais de trinta anos, quando ainda cronicava em Porto Alegre, manifestei minha perplexidade ante os conhecimentos de matemática, na época, de funcionários que tinham por trabalho lidar com elementares operações de adição e subtração: “E fui ao correio postar uma carta. E perguntei à funcionária quanto pagaria em selos. E ouvi vinte cruzeiros como resposta. E paguei os vinte. E levei a carta para registro. E a outra funcionária me informou que eram 31 cruzeiros. E voltei ao guichê anterior para pagar o restante. E vi a moça manipular uma calculadora eletrônica. E vi registrar 31. E calcar a tecla de subtração. E depois 20. E vi a moça ler no visor: 11. Perplexo, paguei os "11”.
Anos mais tarde, quando lecionava na UFSC, voltei a tomar contato com esta miséria intelectual. Seguidamente tomava alguma cerveja com minhas aluninhas. Elas se espantavam com minha facilidade em calcular conta e troco. Suspeitando de algo errado, interroguei-as sobre a tabuada. Ninguém sabia somar ou subtrair, multiplicar ou dividir, sem uma maquininha. Ou seja, aquelas noções elementares de aritmética que adquiri já no primário, elas, na universidade, desconheciam.
Quanto aos conhecimentos de português, estes continuam de “mau” a pior, como diriam minhas alunas. Seguidamente tropeço, mesmo em jornais de porte do país, nesta confusão entre mal e mau. Pelo jeito, está cada vez mais difícil distinguir o “l” do “u”. Já li cardápios anunciando fraudinhas. Ora, fraudinha é como o Zé Dirceu ou o Delúbio definiriam suas fraudes. Fraldinha é outra coisa.
O analfabetismo parece ter contaminado até o clero. Há alguns séculos, eram pessoas que dominavam o latim. Hoje, desconhecem o vernáculo. Numa igrejinha do interior catarinense, li escrito numa cruz: SAUVA TUA AUMA
Ano passado, li numa decisão judicial: “cujo o”. Ou seja, o analfabetismo está invadindo o Judiciário. Este erro tem sido recorrente no jornalismo contemporâneo, feito por esses meninos dos quais se exige diploma em jornalismo para exercer a profissão. Há professores que defendem a tese do não ensino desse pronome nas aulas de português, por tratar-se de um "brontossauro linguístico". Ou seja, se os tais de jovens não conseguem mais usar uma norma lingüística, extinga-se a norma.
O mal vem de longe. A Lei de Diretrizes e Bases facultou às escolas, em 1996, a adoção do "Regime de Progressão Continuada", medida saudada como "histórica", "revolucionária" e "emocionante". Pelo novo regime, os alunos entram na escolas de ensino secundário e não podem mais ser reprovados. Ao final de sete anos, saem obrigatoriamente de diploma em punho. São Paulo disputou a honra do pioneirismo na aplicação do brilhante achado. Dados os altos índices de reprovação nas redes municipais, o dispositivo caía como uma luva para zerar estes índices. Em 1998, a progressão continuada tornou-se modelo estadual.
A História é uma eterna luta entre alfabetizados e analfabetos, dizia Nestor de Hollanda, de saudosa memória. Segundo o autor, os analfabetos estavam avançando inexoravelmente em todas as áreas. Dito e feito. Agora planejam tomar os campi de assalto. Por obra dos legisladores nacionais, em breve um analfabeto de pai e mãe poderá ostentar em seu currículo um diploma de curso superior. A reprovação, único instrumento eficaz de controle da qualidade de ensino, está virando coisa do passado. Se no secundário está se tornando proibida, nos cursos superiores é cada vez mais rara e mesmo inexistente. Conta-me um amigo, professor de universidade privada, que não pode reprovar nem mesmo alunos que jamais assistiram suas aulas. O ensino virou um teatro, onde o aluno finge que aprende e o professor finge que ensina - disto está consciente todo professor que costuma olhar-se no espelho antes de entrar em sala de aula. Quando fiz meu ginásio, em Dom Pedrito, reprovação era uma espada que pendia o ano todo - e todos os anos - sobre a cabeça do aluno. Repetir de classe era mais ou menos como virar leproso. Era angustiante, confesso. Destes dias de dureza, costumo evocar um de meus mestres, o professor Hugo Brenner de Macedo, que descontou dois pontos de uma dissertação, porque o aluno havia escrito feichão em vez de feijão. Na universidade, se descontasse dois pontos por cada erro de grafia, raros seriam meus alunos aprovados. Conheci várias universidades e profissionais delas oriundos nos últimos anos. Posso afirmar tranqüilamente que, no ginásio daquela cidadezinha, então com 13 mil habitantes, recebi uma educação que hoje não se ministra nem em cursos de Letras.
Em meio a isto, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo vai reforçar, a partir do ano que vem, o ensino das disciplinas de sociologia, filosofia e artes. Para isso, vai cortar o número de aulas de matérias como língua portuguesa, matemática, história e geografia. Ou seja, em um país onde até mesmo profissionais que lidam com a língua ou com números não sabem mais contar ou escrever, as autoridades educacionais decidem reduzir a carga horário das duas disciplinas mais básicas de qualquer ensino, português e matemática. Isso sem falar naquelas duas outras, fundamentais para entender o planetinha em que vivemos, história e geografia.
Em benefício de quê? De sociologia, filosofia e artes, estas disciplinas que permitem enfiar ideologia goela abaixo nos alunos. Desde há muito, as tais de “humanas” têm sido o instrumento predileto para marxistas empurrarem doutrina aos jovens. Sociologia à parte, estes cursos seriam importantes se ministrados honestamente. Hoje, são verdadeiros laboratórios de utopias desvairadas. Filosofia foi algo que estudei por conta própria, antes mesmo de entrar na faculdade. Quando lá cheguei, vi professores que começavam com a dialética em Platão. Para chegar onde? À dialética em Marx e Engels, é claro. Como se a dialética platônica tivesse algo a ver com a dialética hegeliana.
Tomei consciência de que algo errado havia no ensino de filosofia ao chegar em São Paulo. Não faltou uspiano que me perguntasse: qual filosofia estudaste? Como qual filosofia? Filosofia não existe. O que existe é história da filosofia, as diferentes concepções que pensadores tiveram do mundo ao longo dos séculos. Eu havia estudado todas as filosofias, desde os pré-socráticos aos contemporâneos, passando até mesmo pela teologia, que a Santa Madre Igreja Católica fez passar por filosofia durante séculos. O tomismo, que nada tem a ver com o filosofar, fazia parte de meu currículo. Philosophia ancilla theologiae, diziam os antigos. A filosofia é serva da teologia. Os tempos mudaram. No Brasil, pelo menos, a filosofia é serva do marxismo.
A decisão da Secretária de Educação de São Paulo aponta para um objetivo óbvio: analfabetizar ainda mais as novas gerações e substituir conhecimento por ideologia.

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