João Eichbaum
Aposto que ontem você não levantou antes das onze da
manhã. Nem botou terno e gravata. A menos que você seja um dos antigos, desses
que não têm “faceboock”, não mudam de celular, e estão casados, há muitos anos,
com a mesma mulher e, tendo que ir a algum velório ou enterro, se vestem como
quem vai a um baile de gala.
Então você deve ter passado quase toda a manhã na cama
e, ao se levantar, é que notou aquele gosto amargo na boca, de ovo podre
misturado com cabo de guarda-chuva. Foi correndo pro banheiro, arrotando o
chester regado a espumante e pensando “ que merda, é sempre a mesma coisa e a
gente não aprende”.
No almoço, não deu outra coisa, claro: o que sobrou da
farra do Natal, inclusive a farofa. E tem mais: garanto que você não se lembrou
do Menino Jesus, o pobrezinho que nasceu em Belém, porque você estava mais
preocupado consigo mesmo, com a aquele mal estar geral de quem bebe socialmente
mas se passa na jogada.
A sua casa, meu deus, que escândalo: brinquedos, papéis
de presentes rasgados, uma camisa aqui, uma calça ali, a roupa para ser
experimentada e para ser devolvida dentro do prazo, caso você não entrasse
nela. E certamente você pensou, olhando para sua barriga, mais estofada ainda
com a excelente ceia de Natal: nem dá pra experimentar agora, porque não vai
servir.
Assim foi o seu “dia seguinte”, depois de todo aquele
preparo, aquela correria, os engarrafamentos, uma porcaria de trânsito, a falta
de lugar para estacionar, os supermercados abarrotados, as filas imensas nos
caixas, sem falar no maldito presente pra sogra.
Você ainda nem pensou, porque não tem condições de
pensar, como irá pagar esse estrago todo, seu décimo terceiro já foi pro ralo,
vem aí, o IPTU, o IPVA, a praia, a outra festa de fim de ano, a fatura do
cartão de crédito do mês passado, etc. e tal.
Tudo isso faz parte do Natal. O pecado da gula e esse
estrago todo, no corpo, na mente e nas finanças, que não tem nada a ver com a
crise global, correm por conta de uma celebração que lhe foi imposta goela
abaixo, há séculos e séculos, e da qual você não consegue se livrar. Mas, pare
e pense na letra do Noite Feliz: “eis que no ar vêm cantar, aos pastores, os
anjos do céu, anunciando a chegada de Deus, de Jesus Salvador, de Jesus
Salvador”.
Na noite de sábado, ouvindo essa música, você seria
capaz de chorar, mas hoje, com essa ressaca toda, nem se lembra mais que Jesus
Cristo veio para salvar.
Até porque, nem você, nem eu, nunca estaremos a salvo
de porra nenhuma: nem das contas, nem das doenças, nem das ressacas, nem da
ex-mulher pedindo pensão alimentícia ou da baranga aquela, com cara de
travesti, que ameaça com investigação de paternidade.
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