segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

CRÔNICA DEPOIS DO NATAL




João Eichbaum

Aposto que ontem você não levantou antes das onze da manhã. Nem botou terno e gravata. A menos que você seja um dos antigos, desses que não têm “faceboock”, não mudam de celular, e estão casados, há muitos anos, com a mesma mulher e, tendo que ir a algum velório ou enterro, se vestem como quem vai a um baile de gala.
Então você deve ter passado quase toda a manhã na cama e, ao se levantar, é que notou aquele gosto amargo na boca, de ovo podre misturado com cabo de guarda-chuva. Foi correndo pro banheiro, arrotando o chester regado a espumante e pensando “ que merda, é sempre a mesma coisa e a gente não aprende”.
No almoço, não deu outra coisa, claro: o que sobrou da farra do Natal, inclusive a farofa. E tem mais: garanto que você não se lembrou do Menino Jesus, o pobrezinho que nasceu em Belém, porque você estava mais preocupado consigo mesmo, com a aquele mal estar geral de quem bebe socialmente mas se passa na jogada.
A sua casa, meu deus, que escândalo: brinquedos, papéis de presentes rasgados, uma camisa aqui, uma calça ali, a roupa para ser experimentada e para ser devolvida dentro do prazo, caso você não entrasse nela. E certamente você pensou, olhando para sua barriga, mais estofada ainda com a excelente ceia de Natal: nem dá pra experimentar agora, porque não vai servir.
Assim foi o seu “dia seguinte”, depois de todo aquele preparo, aquela correria, os engarrafamentos, uma porcaria de trânsito, a falta de lugar para estacionar, os supermercados abarrotados, as filas imensas nos caixas, sem falar no maldito presente pra sogra.
Você ainda nem pensou, porque não tem condições de pensar, como irá pagar esse estrago todo, seu décimo terceiro já foi pro ralo, vem aí, o IPTU, o IPVA, a praia, a outra festa de fim de ano, a fatura do cartão de crédito do mês passado, etc. e tal.
Tudo isso faz parte do Natal. O pecado da gula e esse estrago todo, no corpo, na mente e nas finanças, que não tem nada a ver com a crise global, correm por conta de uma celebração que lhe foi imposta goela abaixo, há séculos e séculos, e da qual você não consegue se livrar. Mas, pare e pense na letra do Noite Feliz: “eis que no ar vêm cantar, aos pastores, os anjos do céu, anunciando a chegada de Deus, de Jesus Salvador, de Jesus Salvador”.
Na noite de sábado, ouvindo essa música, você seria capaz de chorar, mas hoje, com essa ressaca toda, nem se lembra mais que Jesus Cristo veio para salvar.
Até porque, nem você, nem eu, nunca estaremos a salvo de porra nenhuma: nem das contas, nem das doenças, nem das ressacas, nem da ex-mulher pedindo pensão alimentícia ou da baranga aquela, com cara de travesti, que ameaça com investigação de paternidade.


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