sábado, 24 de dezembro de 2011


CRÔNICA DE TODOS OS NATAIS

João Eichbaum

Nem precisaria ceia de Natal e essa beberagem toda, que deixa a gente com gosto de batom misturado com ovo choco na boca, no dia seguinte. Com cem pila no bolso da calça pendurada ao lado da cama e mais a companhia da Angelina Jolie, eu teria tido um Natal extremamente feliz. E não me cansaria de agradecer ao imperador Otávio Augusto por aquele decreto de recenseamento, que obrigou, entre outros, o carpinteiro José a juntar uns trapinhos e botar em cima de um burro sua mulher Maria, grávida de um certo Espírito Santo, rumo a Belém, na Judéia.
Naquele tempo não tinha internet. Nem telefone, nem correio, acho eu. E aí, como é que o José ia fazer reserva de hotel? Logo em Belém, um lugarejo de seiscentos habitantes!
Resultado: Belém tava pior  que Gramado em época de Natal, com os hotéis lotados. Claro, sobrou pro José e pra Maria, que já tinha dilatações. Tiveram que se abrigar numa gruta de beira de estrada, dividindo espaço com vacuns e muares que ali também pernoitavam. Acho que mal deu tempo para se ajeitarem, rebentou a bolsa, quando a Maria viu tava toda encharcada. E ali mesmo, sem parteira, sem obstetra, sem pediatra para ver se o saco do nenê tinha duas bolas, veio para o mundo mais um judeuzinho. Sem berço, sem aquela caminha enfeitada, que as mamães preparam para os seus futuros bebês, o pobre diabinho teve que ser colocado numa manjedoura, um troço duro pra caralho.
E a primeira visita que recebeu o nenê foi a de três reis magos, sem noção, que em vez de uns pacotinhos de fraldas descartáveis, trouxeram ouro, incenso e mirra pro gurizinho. O que é que ele ia fazer com essa merda toda?
Bom. O que eu quero dizer é que aí começou toda a história e por isso todo mundo canta, muitos choram, todos se abraçam, cantando: “pobrezinho, nasceu em Belém”.
Se não tivesse acontecido isso, ou se a história fosse diferente, como por exemplo, se já tivesse IBGE naquele tempo, cheio de funcionários para fazer  recenseamento com perguntas idiotas, invadindo a vida privada, o guri não teria nascido numa gruta, nem em Belém. E aí não teria essa correria toda, com engarrafamentos, shoppings lotados, o povaréu carregado de pacotes, acidentes por todos os lados, estradas para as praias um inferno e, de noite, uma bela ceia, o pessoal enchendo a cara, tomando espumante pensando que é champanhe, se abraçando, mas sem largar a taça, desejando feliz Natal, chorando, etc. etc.
Ah, sim, e não teria ocorrido o maior de todos os milagres, com o qual nem Jesus Cristo sonhou, a transformação da manjedoura num majestoso palácio, chamado Vaticano, onde um senhor idoso, que talvez nunca tenha visto uma manjedoura, cercado de pajens, a ponto de nem precisar tirar o que tem na cabeça, porque outros o fazem por ele e, vestindo paramentos de rei ornados com  fios de ouro, celebra a pobreza daquele judeuzinho, tomando vinho italiano.
Ah, e eu não teria sonhos humildes e despojados, como esse de ser feliz apenas com a companhia da Angelina Jolie e mais cem pila no bolso da calça, já pendurada ao lado da cama.

Nenhum comentário: