ALMAS
OPOSTAS, MAS UM SÓ DESTINO
João
Eichbaum
joaoeichbaum@gmail.com
Entre eles ninguém cogitava de ir para o
céu, padecer no purgatório ou arder no inferno. Eram fuzarqueiros, mulherengos,
boêmios, ligadões nas boas farras da vida. Ninguém melhor representava a alma
carioca das décadas de 40 e 50, naquela Copacabana que era a coisa mais
parecida com o paraíso, senão eles, os membros do “Clube dos Cafajestes”.
Heleno de Freitas, centroavante do Botafogo e
da seleção brasileira era um deles. O doutor Heleno, como alguns o chamavam,
porque havia se formado em Direito, tinha todas as credenciais exigidas pelo
Clube. Outro componente do grupo era o jornalista Sérgio Porto,
que se apresentava com o pseudônimo de Stanislau Ponte Preta, e que se tornou
famoso, mais tarde, como autor do "Samba do Crioulo Doido".
Mas uma figura que pontificava no Clube, tendo sido seu fundador e
presidente, idolatrado por todos, era o comandante Edu. Folgazão e irreverente,
sempre de bem com a vida, e pronto para qualquer sacanagem tropical, Eduardo
Henrique Martins de Oliveira era piloto da Panair do Brasil.
Naquele dia 28 de julho de 1950, pilotando o "Constellation"
prefixo PP-PCG, Edu decolara do Galeão rumo a Porto Alegre. Como sempre,
alegre, brincalhão e festeiro, havia prometido aos companheiros do Clube a
melhor carne gaúcha para churrasco, chegasse ele à hora que chegasse, na
Confeitaria Alvear, em Copacabana.
Entre os passageiros do "Constellation" estava Zenir Aita, uma
jovem santamariense, certamente pastoreando seus pensamentos cristãos. De tradicional
família católica, exemplo de boa alma cristã, aos 23 anos já era docente do
Curso de Formação de Professores da Escola Normal Olavo Bilac. Acompanhada de
seus tios, fora passar as férias de julho no Rio de Janeiro.
Na hora prevista para o pouso em Porto Alegre, a região metropolitana
estava banhada por uma daquelas torrenciais chuvas de inverno, acompanhadas de
cerração. Ao anunciar
aterrissagem à Torre de Controle, o comandante Edu
não obteve permissão, porque o então Aeródromo São João, naquelas condições
climáticas, com sua pista de chão puro, não comportava pouso de aviões tipo
"Constellations" e "Douglas". Recebeu então a ordem de
pousar na Base Aérea de Gravataí, que tinha piso asfaltado. Mas, havia um grave
"porém", numa noite embebida em cerração: a Base não possuía
instrumentos sinalizadores de aproximação.
Eram oito da noite em São Leopoldo,
quando o silêncio do Morro do Chapéu, encoberto pela neblina e pela escuridão,
foi destruído por um estrondo de guerra e um crepitar de chamas gigantescas:
havia um gigante de pedra no caminho daquelas 51 vidas que estavam a bordo do
Constellation da Panair. Sem dar tempo para o calafrio final, o cataclismo a
ninguém poupou, decompondo corpos ou os entregando às chamas.
O Clube
dos Cafajestes nunca mais foi o mesmo, a partir daquela manhã de sábado, 29 de
julho de 1950, depois de uma vigília inútil à espera do líder e da carne gaúcha
para o churrasco. Em Santa Maria, A RAZÃO estampava a manchete: MAIOR DESASTRE
DA AVIAÇÃO BRASILEIRA. E para a cidade, entregue a uma tristeza estupefacta,
anunciava a substituição da missa de aniversário dos doze anos da Escola Normal
Olavo Bilac, por uma missa pela alma de Zenir Aita.
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